Ontem recebi uma paciente na Clínica HTRI (@clinicahtri) que me confessou estar fazendo progressiva com formol. Veio me perguntar se realmente fazia mal porque não estava disposta a parar de fazer. Com afirmações sobre a praticidade de não ter que escovar os cabelos e poder estar mais tranquila diante de um clima como temos tido aqui em SP desde o começo do ano (úmido e chuvoso), o que gera muito frizz, e de frequentar piscina e praia sem que os cabelos deem trabalho para ela, estava certa de que deveria continar fazendo.
O formol há muito tempo frequenta espaços de beleza em todos os segmentos sociais, dos bairros mais simples até os mais ricos no Brasil. A paciente, bem instruída, com um padrão de vida bacana e um trabalho certamente bem remunerado, mesmo tendo consciência dos inúmeros problemas provocados pelo formol e que foram tema de matérias na mídia nos últimos anos, parecia não crer nos riscos aos quais se expunha periodicamente. E, como negação do risco, ou seguindo aquele padrão já conhecido de crer que o que é ruim nunca acontecerá conosco, pedia o meu aval para seguir com a progressiva com formol.
No final do ano passado mais uma morte provocada pelo uso do, HÁ TEMPOS PROIBIDO, formol como “alisante” foi amplamente noticiada nos meios de comunicação. A pergunta que fica é, quantos precisarão perder a vida para que clientes e profissionais deixem de utilizar o produto? Sabemos de antemão que a morte é o risco mais grave mas muitas outras internações por problemas respiratórios, oculares e cutâneos estão relatados. Os clientes de cabeleireiros que usam formol em progressivas devem cada vez menos se por como vítimas quando sabem o que está sendo utilizado em seus cabelos, uma vez que cada vez mais se sabe sobre os riscos à saúde e o perigo de morte. Natural que há muitos profissionais que escondem de suas clientes esta informação, o que minimiza em muito a responsabilidade do cliente.
Por um outro lado o cabeleireiro que segue com o uso do produto, independente do argumento que tenha para seguir usando (é o único produto que dá o resultado que as clientes querem, se eu não fizer meu concorrente vai fazer, nunca tive nenhuma clienteque teve problema, uso muito pouco do produto), age como um criminoso. Expõe seus clientes a problemas de saúde cujo maior risco é a morte. Vende um serviço em que o ativo está proibido para aquele uso em especial, o que o torna, perante a lei, um fora da lei. Mais do que isso, por motivos que conhece ou desconhece (vai saber…), é, por fim, o maior prejudicado ao usar o formol. Em especial porque a sua saúde vai ficando progressivamente comprometida e afetada pela exposição a ele. Ou seja, a progressiva, progressivamente (gostei tanto desse termo que usei ele de novo aqui), vai deixando o cabeleireiro (que se expõe diariamente, e muito mais do que cada uma das clientes que vem a cada 2, 3 ou 4 meses para refazer o procedimento), mais predisposto a doenças gravíssimas, entre elas o câncer, uma vez que o formol é carcinogênico. Também fica exposto à morte por intoxicação, como a da vítima que citei previamente nesse texto. De alguma forma o formol vai mata-lo, de um jeito ou de outro.
Há anos, com a proibição do formol, o mercado foi saturado pelas escovas ácidas. Vou transcrever aqui algo que foi citado em um artigo publicado nos Anais Brasileiros de Dermatologia em 2015 por um grupo de pesquisadores do Rio de Janeiro: Atualmente, as escovas livres de formol contém ácido glioxílico ou metileno-glicol em sua composição. Em contato com a água ou aquecido por secadores e pranchas (chapinhas), esses produtos liberam formaldeído (formol). Ou seja, trata-se de mais do mesmo. Incluindo o mesmo risco para aqueles clientes que são sensíveis ao formol e, de alguma forma, de carcinogênese para o profissional.
Para aqueles que não creem nessa informação é importante olhar as referências que seguem ao final desse texto. Em especial uma revisão que foi escrita por pesquisadores da Universidade da Virgínia em Charlottesville (onde tive o prazer de fazer um fellow em 2002) e da Wake Forest University na Carolina do Norte que citam dados do Occupational Safety and Health Administration (OSHA), que demonstrou a presença de moléculas de formaldeído em salões que utilizavam produtos “livres de formol”. O artigo afirma que os compostos ácidos, presentes nas escovas ácidas, liberam formol no ar quando aquecidos. Ou seja, o estudo confirma o risco à saúde.
Uma pesquisa conduzida na Universidade de São Paulo no Campus de Ribeirão Preto (estudo do grupo de minha amiga Dra Patricia Maia Campos), confirma que apesar do mercado e dos clientes terem conhecimento dos riscos desses produtos, colocam a estética e a praticidade acima do risco, o que favorece a continuidade do uso e a percepção ou expectativa de que são imunes a desenvolverem problemas causados pelo formol ou pelos precursores de formol.
Sobre a minha paciente, não avalizei o uso. Comentei sobre os riscos, expus meu ponto de vista, encaminhei literatura da ANVISA e de periódicos importantes e ofereci a ela opções com menor risco à sua saúde. Caberá a ela decidir, mas deixei claro que sou contra e que me resguardo pelos estudos e pelas amplas informações que temos sobre casos em que o desfecho foi trágico.
Referências:
Tanus, A., Oliveira, C. C. C., Villarreal, D. J. V., Sanchez, F. A. V., & Dias, M. F. R. G. (2015). Black women’s hair: the main scalp dermatoses and aesthetic practices in women of African ethnicity. Anais Brasileiros de Dermatologia, 90(4), 450–465.
Weathersby, C., & McMichael, A. (2013). Brazilian keratin hair treatment: a review. Journal of Cosmetic Dermatology, 12(2), 144–148.
Leite, Marcella Gabarra Almeida, Garbossa, Wanessa Almeida Ciancaglio, & Campos, Patricia Maria Berardo Gonçalves Maia. (2018). Hair straighteners: an approach based on science and consumer profile. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, 54(3), e17339.