Em um de meus estudos sobre temas em psicologia acabei conhecendo o interessante blog de uma psicóloga de Curitiba, a professora Ana Luisa Testa (Terapia em Dia). Cheguei até o blog da professora Ana Luisa ao fazer uma pesquisa sobre o arquétipo do Trickster, e caí diretamente em um texto sobre o tema (O arquétipo do Trickster – O pregador de peça).
Gostei muito da definição que Ana Luisa deu para arquétipo, clara e simples. Vamos a ela: Arquétipos seriam como imagens que residem dentro da estrutura do inconsciente coletivo, seriam como modelos de comportamento humano herdados psicologicamente. Temos vários deles: o herói, a mãe, o pai, o curador, o salvador, o deus, o diabo, etc. e esses modelos configuram a forma que nos relacionamos com o mundo.
De certa forma, todos nós temos uma ideia do que representam essas figuras que são chamadas arquetípicas, e suas imagens costumam ser muito semelhantes ao longo da história da humanidade. O arquétipo da mãe, a representação psicológica da figura materna, é ainda hoje praticamente a mesma desde o início das civilizações.
O arquétipo do trickster (trapaceiro, louco, brincalhão, pregador de peças), foi descrito por Carl Gustav Jung em um ensaio publicado no livro Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Trata de uma imagem arquetípica, que pode ser encontrada em diversos mitos das mais variadas civilizações. Hermes, na Grécia como um deus astuto e pregador de peças, Loki, nos países nórdicos, um deus anárquico que trama contra os demais deuses, Exu no sincretismo religioso brasileiro como um agente de uma nova ordem, e ao longo da história da humanidade como bobos da corte, palhaços, malandros e bufões que que já eram descritos no Egito antigo, na China, no Tibet.
Em seu ensaio Jung cita situações em que o arquétipo do trickster surge: Em contos picarescos, na alegria desenfreada do carnaval, em rituais de cura e magia, nas angústias e iluminações religiosas, o fantasma do “trickster”se imiscui em figuras ora inconfundíveis, ora vagas, na mitologia de todos os tempos e lugares (OC 9/1 – parágrafo 465).
O trickster, para ficar mais claro para o leitor, é um agente da desordem para gerar uma nova ordem, do caos (como cita a própria Ana Luisa Testa em seu já referido texto sobre o tema), da brincadeira, da falta de sentido, da irracionalidade. De certa forma, quando o trickster manifesta, normalmente é para questionar o momento em que vivemos e causar uma transformação.
Jung segue conduzindo seu ensaio para uma temática que se aproxima do campo da saúde humana quando diz: Considerada sob o ângulo causal e histórico, a origem da figura do “trickster” é praticamente incontestável. Tanto na psicologia como na biologia, não podemos negligenciar ou subestimar a resposta à indagação acerca so porquê de uma manifestação, embora em geral ela nada nos ensine sobre seu sentido funcional. Por isso, a biologia não deveria jamais renunciar à indagação do para que, pois é só através da resposta a ela que o sentido do fenômeno se revela. Até mesmo na patologia, quando se trata de lesões insignificantes, a observação exclusivamente causal mostra-se inadequada, uma vez que inúmeros fenômenos patológicos só revelam seu sentido quando inquirimos quanto a seu propósito (OC 9/1 – parágrafo 465).
Retrato do Saci – J Marconi |
Em medicina, a pergunta sobre o por que uma doença surge é algo que exige uma resposta médica sobre a causa do problema. Quando atendo meus pacientes, vejo intensamente seus desejos por explicações sensatas, coerentes e científicas sobre o porque de estarem vivenciando suas quedas de cabelo.
Na medida que me aprofundo nos conhecimentos sobre a psiquê humana, mais entendo que as doenças tem mais do que uma causa a ser combatida. Elas tem um propósito. É aqui que cabe a pergunta sugerida pelo doutor Jung: para que?
Ao médico a sugestão seria entender, em parceria com seu atendido, para que o paciente está vivenciando a manifestação clínica? Qual o sentido, o significado, da doença? O que ela precisa mostrar ao paciente e que transformação ela precisa produzir em sua vida.
Há muito de trickster na queda capilar. Um sinal clínico que desestrutura os mais fortes alicerces de quem sofre com o problema. A queda de cabelo é um agente de desordem, do caos, da falta de sentido, da irracionalidade. Eis aqui o pregador de peças cumprindo seu papel.
Segundo Jung, há também um pouco de curador em trickster (OC 9/1 – parágrafo 457). E é aqui que passo a crer que o paciente que entende o trickster que está agindo em sua vida criando desordem, doença ou desconforto, de certa forma, pode ter uma revelação de para que o sintoma se manifestou.
O paciente, ou a pessoa que vivencia um momento em que o trickster parece estar presente deveria se perguntar: Para que estou vivendo isso? E, através de uma intensa reflexão, buscar revelar o sentido para o qual a desordem e o caos parecem existir no momento e na hora que surgem.
Afinal, para que você está perdendo cabelos?