Vivemos em um tempo de certezas absolutas. Tudo precisa ter um lado certo e um lado errado, um vilão e um herói, uma cura e uma fraude. Essa dicotomia brutal, tão sedutora para narrativas que precisam manter o espectador cativo, é exatamente o eixo central de Vinagre de Maçã, uma série que, embora traga críticas legítimas, cai na armadilha do viés absoluto. O que se apresenta como um suposto desmascaramento da indústria do bem-estar e dos influencers que lucram com promessas vazias, revela-se, na verdade, uma defesa intransigente da medicina ocidental medicalizada como única solução viável.

É preciso reconhecer um mérito: a série se baseia em casos reais. Isso confere legitimidade a parte dos argumentos apresentados. De fato, há pessoas que foram prejudicadas por tratamentos alternativos sem respaldo científico e influenciadores sem escrúpulos que venderam promessas vazias. Um exemplo emblemático na série é o da influenciadora que, além de explorar seus seguidores, era uma mentirosa compulsiva, fabricando narrativas que lhe davam status e credibilidade. Esse detalhe adiciona um elemento ainda mais grave ao cenário: não se trata apenas de desinformação, mas de uma manipulação calculada, onde a verdade se torna irrelevante frente ao lucro e ao reconhecimento/pertencimento, algo que a personagem parecia necessitar mais do que o lucro, em si. O problema, no entanto, não está na exposição desses fatos, mas na parcialidade narrativa e em um certo tom debochado que permeia a série. Ao ridicularizar qualquer abordagem que não passe pelo crivo da medicina ocidental, a série invalida discussões importantes e transforma personagens em caricaturas de ingenuidade e delírio.
Um exemplo claro dessa estratégia é o uso do câncer como pano de fundo. Aqui, há dois níveis de gravidade. O primeiro é a própria doença, que evidentemente exige um tratamento rigoroso e baseado em evidências. O segundo está na forma como o extremo é usado para enfraquecer qualquer possibilidade de debate sobre práticas complementares. Quando se escolhe o câncer como exemplo central, o argumento se fortalece para invalidar qualquer alternativa, mas, ao mesmo tempo, reduz a importância de outras condições médicas que poderiam se beneficiar de uma associação entre tratamentos convencionais e naturais. Não se pode colocar no mesmo patamar um paciente com câncer e alguém que sofre de insônia, ansiedade ou doenças inflamatórias leves. Mas ao aplicar a mesma lógica para tudo, a série silencia qualquer possibilidade de diálogo sobre os benefícios de um olhar mais integrativo para a saúde.
O que Vinagre de Maçã faz é perpetuar a ilusão da verdade única. E isso não apenas reduz o pensamento crítico do espectador, como também impede que as pessoas façam escolhas conscientes e assumam as consequências dessas escolhas. Em uma sociedade adulta, madura e informada, não deveria caber à mídia definir o que é certo ou errado em termos absolutos. O que deveríamos ter é acesso a informações equilibradas, que nos permitam tomar decisões baseadas em um olhar amplo sobre saúde e bem-estar. Se há riscos em tratamentos naturais sem embasamento, há também riscos no excesso de medicalização, na prescrição indiscriminada de medicamentos e no monopólio do pensamento científico engessado.
A verdadeira reflexão sobre saúde deveria partir do reconhecimento da complexidade humana. Não se trata de escolher entre ciência e natureza, entre medicina e espiritualidade, entre pílulas e plantas. O problema não é a existência de alternativas, mas sim a incapacidade de tratá-las com a seriedade e o rigor que qualquer abordagem de saúde merece. Ao reduzir tudo a uma batalha entre “o certo e o errado”, Vinagre de Maçã não apenas ignora essa complexidade, mas também perpetua a ilusão de que existe uma única resposta para todas as perguntas. E, ironicamente, esse tipo de pensamento dogmático é exatamente o que critica nos influencers que tenta expor.