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FINASTERIDA NO TRATAMENTO DA CALVÍCIE, USAR OU NÃO USAR? – O REAL IMPACTO NA DISFUNÇÃO ERÉTIL E REDUÇÃO DA LIBIDO

Nos meus atendimentos escuto sempre pacientes comentando sobre a “aura” que foi criada em torno da finasterida relacionando essa medicação com a diminuição da libido e um risco aumentado de disfunção erétil. Usando um termo que é originário das pesquisas e conhecimentos deixados por Carl Gustav Jung, médico psiquiatra suiço e pai da psicologia analítica, essa associação do uso dessa medicação com questões vinculadas à virilidade parecem já fazer parte do inconsciente coletivo, em outras palavras, algo tão difundido que já se tornou uma verdade universal.

É lógico que estou exagerando, e os pacientes que já tomaram ou fazem uso da medicação há algum tempo estão ai, em sua maioria, para provar aquilo que a estatística da literatura científica apresenta, ou seja, que menos de 1,5% dos pacientes apresentam “episódios” de problemas de libido ou disfunção erétil que estão realmente vinculados ao uso da medicação.  
Mas há algo que me chama atenção nessa história toda. Ainda que episódios esporádicos de redução da libido possam ocorrer em quem toma o medicamento em números que, em relatos de pacientes, são menos frequentes do que a literatura (mas nem sempre apoiados na medicação em si, afinal a redução da libido e episódios de disfunção erétil podem estar associados a inúmeros fatores), mais de 90% dos pacientes homens que chegam à consulta médica já relatam uma certa ressalva ao uso da finasterida. 
Em um estudo epidemiológico de amplitude nacional realizado pelo Projeto Avaliar e publicado na Revista Brasileira de Medicina (2004), os pesquisadores avaliaram mais de setenta e um mil pacientes (71.503) maiores que 18 anos de idade. O estudo foi feito com questionário simples realizado por médicos em suas consultas independente da especialidade. O estudo pediu para que os médicos questionassem seus pacientes quanto a terem experimentado eventos de disfunção erétil mínima, moderada e severa, de acordo com uma escala de avaliação que o paciente tinha acesso. Os resultados mostraram que na amostra 53,5% dos pacientes alegaram terem tido episódios de disfunção erétil nas seguintes proporções em virtude do grau de severidade: mínima 20,8%, moderada 26,3% e completa 6,4%. 
Fatores como baixa escolaridade, cor/etnia negra ou mestiça, tabagismo, idade, sedentarismo e diagnóstico de diabetes, depressão, hiperplasia prostática benigna, cardiopatia, hipertensão ou hipercolesterolemia são tidos como de relevância para o aumento do índice do problema. 
Por esses números dá para ter uma ideia de que o quadro de disfunção erétil não é algo que esteja tão fora da realidade da população. 
Em outro estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo e publicado em 2006, os números do problema em um amostra com 2.862 homens também acima dos 18 anos foi um pouco menor, totalizando 45,1% de pacientes que alegaram episódios do quadro nas seguintes proporções: mínima 31,2%, moderada, 12,2 e completa 1,7%. Nesse estudo os fatores de risco foram semelhantes aos apontados no estudo citado anteriormente. 
Estudos realizados pelo pesquisador croata Aleksandar Sulhofer reforçam a importância da origem psicogênica da disfunção erétil, confirmando o papel importante do cansaço físico, estresse, da ansiedade e até da exigência dos próprios homens quanto às suas próprias performances sexuais como fatores de risco para que a disfunção erétil aconteça. Em um estudo realizado em conjunto com a pesquisadora portuguesa Ana Alexandra Carvalheira e o pesquisador Bente Traen da Noruega, concentrando entrevistas em países como Croácia, Portugal e Noruega, Sulhofer encontrou num levantamento realizado com 5.255 homens a partir dos 18 anos de idade, uma diminuição de desejo sexual em 14,4% nos dois meses que precederam a pesquisa. As conclusões de Sulhofer, Traen e Carvalheira reforçam que os problemas vinculados ao trabalho, preocupações com a vida pessoal e familiar, além de questões que estejam vinculadas à conjugabilidade (como tem se comportado os casais em suas dinâmicas de relacionamento), exercem papel importante no risco aumentado do surgimento de quadros de diminuição de libido e também na disfunção erétil.
Em um artigo publicado em 2003 no International Journal of Clinical Practice, em que participaram 123 pacientes, uma avaliação com questionário comparou homens entre 28 a 88 anos com média de idade de 68 anos quanto à queixas de disfunção erétil que usavam finasterida ou outros inibidores de 5-alfa redutase (enzima onde atua a finasterida), e não encontrou diferenças significativas na incidência desse quadro quando comparado com grupo de mesmo perfil etário que não utilizam/utilizavam essas medicações.
Outro estudo publicado neste ano (2014), no periódico Urologia Internationalis, avaliou homens abaixo dos 40 anos quanto ao risco de eventos de disfunção erétil e concluiu que certas causas orgânicas como: hipogonadismo hipogonadotrófico congênito, síndrome de Klinefelter e hipogonadismo hipogonadotrófico adquirido devem ser pesquisados nessa faixa etária. Sobre medicações, o artigo salienta que o uso de antidepressivos, anti inflamatórios não hormonais, finasterida, antiepiléticos e neurolépticos podem justificar o problema.
O PLOS/One, em junho de 2014 publicou estudo sobre avaliação imunohistoquímica de receptores androgênicos (hormônios masculinos), e densidade da estrutura nervosa em prepúcio de homens que fizeram uso de finasterida para o tratamento de alopecia androgenética e que mantinham queixas sexuais após seis meses de interrupção da medicação. O estudo, apesar de diversos fatores limitantes, mostrou que não havia diferenças entre a densidade de estrutura nervosa e a presença de receptores androgênicos nos 8 pacientes avaliados quando comparados a pacientes não tratados. Por outro lado, sugere que a modulação dos receptores androgênicos penianos parece implicada no surgimento desses efeitos colaterais a longo prazo, mesmo após descontinuação do uso do medicamento.
Um artigo de revisão publicado no Korean Journal of Urology apresenta dados de pesquisas que justificam que a dihidrotestosterona (DHT), hormônio derivado da conversão da testosterona pela 5-alfa-redutase (enzima inibida pela finasterida), é mediadora da fisiologia da ereção, sendo esse fato comprovado por estudos que afirmam que há diminuição da expressão da sintase de óxido nítrico o pênis (o óxido nítrico é fundamental para provocar vasodilatação dos corpos cavernosos que, por sua vez, desencadeiam o processo de ereção, como mostra a tabela abaixo.

Após essas informações o que podemos concluir é que há um certo risco de a finasterida causar redução de libido e disfunção erétil. Entendo que esse risco é muito individual e pode sofrer variações de acordo com um conjunto muito amplo de variáveis que incluem idade, etnia, hábitos e vícios, saúde em geral, o uso de outros medicamentos em conjunto com a finasterida, assim como questões psicoemocionais (depressão, estresse, ansiedade e preocupação quanto á performance na hora da relação).
Posso falar por minha experiência mais do que pela experiência dos colegas médicos, mas o índice de redução de libido e disfunção erétil em pacientes que usam tanto a finasterida como a dutasterida tem estatística muito próxima àquela que observamos na literatura médica (<1,5%).
Quando reflito sobre questões vinculadas aos efeitos colaterais da finasterida, não deixo de levar em consideração o quanto o desconforto da calvície pode impactar na auto estima dos pacientes que sofrem com o problema. Isso porque, a perda de cabelo também é um fator socialmente limitante, que por sí só gera ansiedade, depressão, estresse e perda da confiança em si mesmo. Sendo assim, me pergunto até que ponto certos desdobramentos em determinados momentos da vida do paciente, entre eles a auto estima e a confiança no momento em que está diante de uma relação sexual, poderiam ter como causa o uso da medicação para o tratamento da calvície, ou ser a calvície a motivação para que o paciente se sinta menos seguro na quanto a sua imagem pessoal.
A literatura médica está ai para informar e abrir nossos olhos quanto aos riscos à saúde de nossos pacientes. Apesar disso, nunca podemos nos esquecer que problemas de saúde tais como a calvície podem impactar no estado psicoemocional dos pacientes (como pode ser comprovado nos estudos de qualidade de vida em pacientes com calvície androgenética que constam nas referências abaixo). Cabe ao médico e ao paciente discutirem sobre os riscos benefícios e acordarem sobre o que tem mais peso no momento da escolha do tratamento. Também vale lembrar que os efeitos colaterais quando ocorrem, costumam desaparecer com a pausa do tratamento e que poucos são os pacientes que persistem com eles por mais tempo após a descontinuação do mesmo.
Já escrevi outros textos sobre o assunto em que também discuti essa questão dos efeitos colaterais da finasterida e dos bloqueadores de 5-alfa-redutase no tratamento da calvície. Em alguns fui mais cético quanto ao surgimento desses efeitos colaterais (pelo baixo índice de queixas que tenho de pacientes que fazem uso dessas medicações), em outros, analisei a questão de acordo com o que estava sendo publicado na literatura médica. Pelo que pude perceber, ao estudar para escrever esse texto, há mais motivos do que eu conhecia vinculados ao uso dessas medicações e o risco de efeitos colaterais. Conhecer esses motivos melhora a compreensão de profissionais e pacientes e promove outras discussões sobre o tema.
De minha parte, acredito que a aura de medo de disfunção erétil, ainda que essa possa ser uma reação colateral possível, é muito maior do que o risco do problema em si. Por conta disso, esses eventos podem se tornar mais frequentes na medida que o efeito nocebo (aparecimento de efeito colateral estimulado pelas informações negativas sobre determinado medicamento ou procedimento),  causado pela ampla divulgação sobre os efeitos colaterais contribuem para a má fama da medicação.
OBS: NÃO TENHO CONFLITO DE INTERESSES COM MEDICAÇÕES E LABORATÓRIOS QUE AS PRODUZEM E QUE SÃO CITADOS NESSE TEXTO. ME COMPROMETO APENAS A ANALISAR OS ARTIGOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS, APRESENTAR DADOS DOS MESMOS E REFLETIR SOBRE QUESTÕES QUE ENVOLVAM A LITERATURA MÉDICA E A EXPERIÊNCIA CLÍNICA

Dr Ademir C leite Júnior – www.ademirjr.com.br

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Referências:

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