Sophie van der Stap era estudante de Ciências Políticas na Holanda quando foi diagnosticada com um rabdomiossarcoma. Um câncer severo e que já tinha metástases. Tinha apenas pouco mais de vinte anos e havia, há apenas um ano antes, experimentado a luta da mãe contra um câncer de mama.
Não é preciso dizer que Sophie tinha na sua memória todo o sofrimento que a mãe havia vivido para superar o câncer do qual saiu curada. Logo, tinha em sua mente a ideia de que a luta ia ser intensa, que teria de ser forte e buscar viver sua vida da forma mais intensa que pudesse.
Para isso Sophie contou com uma expiriência platônica de paixão pelo doutor K., o médico bonitão e charmoso que havia diagnosticado seu problema. Assim como contou com suas amizades, o apoio de ex-pacientes de câncer, sua família e, em especial sua grande vontade de viver.
Como toda experiência transformadora, a bela Sophie, durante o tratamento do câncer se viu muito mais magra, sem os cabelos por conta da quimioterapia, e tendo que vivenciar conflitos de auto estima e auto imagem que todas essas mudanças, o estigma da doença e, em especial a perda dos cabelos haviam trazido.
Encontrou nas perucas grandes aliadas para passar por essa vivência. Após adquirir diversos modelos com cores, comprimentos e tipos de cabelos diferentes, Sophie desenvolveu personagens diferentes para si mesma. Uma, Pam, Sue, Platina, Blondie, Daisy, Stella, Bebé e Lydia. Cada uma dela ressaltava traços da personalidade de Sophie que surgiam quando ela mudava de peruca.
Veja o que a própria autora conta sobre suas personagens:
Refiro-me a elas pelo nome porque cada peruca faz com que me sinta um pouco diferente. Uma outra mulher. Não sou a Sophie, mas a Stella, com meu cabelo de bruaca careta; a Daisy, uma verdadeira Barbie de cachos compridos; a Sue, de cachos ruivos louquinhos e a Blondie, de chanel loiro.
Em outro momento ela fala sobre sua transformação ao vestir uma de suas perucas:
Ter a Daisy posta na cabeça muda tudo. Uma transformação completa. Cachos compridos que se espalham pesados pelas minhas costas. Meus sapatos italianos de salto de repente se transformam em botas pesadas de uma prostituta, meu jeans justinho se transforma em uma legging e meu decote inocente, numa grande atração.
Ou quando comenta:
Como Sue, tenho algo que me põe à frente da maior parte das mulheres: cabelos ruivos luxuriantes. É fácil causar impressão sem ter que rir de piadas bobas ou chacoalhar meus cachinhos.
A transformação de Sopie através da doença e da mudança de personalidade a cada troca de peruca fica clara no trecho:
Nunca tive o hábito do ócio matutino. Com isso quero dizer ter paciência para me empetecar toda. Quando muito, uma passada de rímel e blush… …e agora estou entre as mulheres que trocam o que Deus lhes deu por pozinhos e pincéis saídos das farmácias DA. Começo pelas sobrancelhas.
Já as mudanças de personalidade a cada troca de peruca evidenciam a reflexão que Sophie faz de sua nova vida quando frente à possibilidade de encontros afetivos:
Embora eu me sinta mais sexy e admirada quando loira – e mais eu mesma, já que gosto de me sentir sexy e admirada – acho legal saber que também me dou bem como ruiva. Mas o que ele acharia de mim se eu aparecesse careca? Seguramente não sexy, ousada ou feminina. Careca Simplesmente.
Pegando o gancho da citação acima, fica evidente que estar sem cabelos não é a opção mais tranquila para Sophie. Estar sem cabelos a incomoda e lhe rouba muito de si mesma. O trecho abaixo, que seria motivo para uma reflexão baseada nos conceitos sobre “persona” propostos pelo psiquiatra suiço Carl Gustav Jung, e que fala sobre aspectos de nossa personalidade que elaboramos para as mais diversas situações de nossas vidas, também apresenta a dureza de se conviver com a realidade da doença. Não apenas porque estar careca para um paciente com câncer é esteticamente desconfortável. Mas por que trás a cada olhar no espelho a dureza da doença, a presença do essencial – porém desagradável – tratamento quimioterápico, assim como conflitos relacionados à auto estima/ auto imagem e sobre a vida e a morte.
Tanta coisa mudou na minha vida e em mim. Um rosto estranho no espelho. Não me vejo refletida. Quanta distância entre o eu antes e o eu agora. Mas todos esses cabelos diferentes me ensinam a me enxergar melhor. Essa sou eu, essa outra sou eu e aquela sou eu também… E esta aqui sou eu de verdade.
O relato de Sophie van der Stap está no livro A garota das nove perucas, um diário do período em que a autora viveu a sombra do câncer e a experiência de ter que conviver com tudo o que a doença e seu tratamento acompanha. Com uma escrita informal e carregada de menções às questões que envolvem a parte afetiva a autora, o livro é essencial para aqueles que querem conhecer a realidade e o sofrimento de quem vive um câncer. Além de ter virado filme, veja o trailer em anexo.: