
Não é preciso dizer que Sophie tinha na sua memória todo o sofrimento que a mãe havia vivido para superar o câncer do qual saiu curada. Logo, tinha em sua mente a ideia de que a luta ia ser intensa, que teria de ser forte e buscar viver sua vida da forma mais intensa que pudesse.
Para isso Sophie contou com uma expiriência platônica de paixão pelo doutor K., o médico bonitão e charmoso que havia diagnosticado seu problema. Assim como contou com suas amizades, o apoio de ex-pacientes de câncer, sua família e, em especial sua grande vontade de viver.
Como toda experiência transformadora, a bela Sophie, durante o tratamento do câncer se viu muito mais magra, sem os cabelos por conta da quimioterapia, e tendo que vivenciar conflitos de auto estima e auto imagem que todas essas mudanças, o estigma da doença e, em especial a perda dos cabelos haviam trazido.
Encontrou nas perucas grandes aliadas para passar por essa vivência. Após adquirir diversos modelos com cores, comprimentos e tipos de cabelos diferentes, Sophie desenvolveu personagens diferentes para si mesma. Uma, Pam, Sue, Platina, Blondie, Daisy, Stella, Bebé e Lydia. Cada uma dela ressaltava traços da personalidade de Sophie que surgiam quando ela mudava de peruca.
Veja o que a própria autora conta sobre suas personagens:
Refiro-me a elas pelo nome porque cada peruca faz com que me sinta um pouco diferente. Uma outra mulher. Não sou a Sophie, mas a Stella, com meu cabelo de bruaca careta; a Daisy, uma verdadeira Barbie de cachos compridos; a Sue, de cachos ruivos louquinhos e a Blondie, de chanel loiro.
Em outro momento ela fala sobre sua transformação ao vestir uma de suas perucas:

Ou quando comenta:
Como Sue, tenho algo que me põe à frente da maior parte das mulheres: cabelos ruivos luxuriantes. É fácil causar impressão sem ter que rir de piadas bobas ou chacoalhar meus cachinhos.
A transformação de Sopie através da doença e da mudança de personalidade a cada troca de peruca fica clara no trecho:
Nunca tive o hábito do ócio matutino. Com isso quero dizer ter paciência para me empetecar toda. Quando muito, uma passada de rímel e blush… …e agora estou entre as mulheres que trocam o que Deus lhes deu por pozinhos e pincéis saídos das farmácias DA. Começo pelas sobrancelhas.
Já as mudanças de personalidade a cada troca de peruca evidenciam a reflexão que Sophie faz de sua nova vida quando frente à possibilidade de encontros afetivos:
Embora eu me sinta mais sexy e admirada quando loira – e mais eu mesma, já que gosto de me sentir sexy e admirada – acho legal saber que também me dou bem como ruiva. Mas o que ele acharia de mim se eu aparecesse careca? Seguramente não sexy, ousada ou feminina. Careca Simplesmente.
Pegando o gancho da citação acima, fica evidente que estar sem cabelos não é a opção mais tranquila para Sophie. Estar sem cabelos a incomoda e lhe rouba muito de si mesma. O trecho abaixo, que seria motivo para uma reflexão baseada nos conceitos sobre “persona” propostos pelo psiquiatra suiço Carl Gustav Jung, e que fala sobre aspectos de nossa personalidade que elaboramos para as mais diversas situações de nossas vidas, também apresenta a dureza de se conviver com a realidade da doença. Não apenas porque estar careca para um paciente com câncer é esteticamente desconfortável. Mas por que trás a cada olhar no espelho a dureza da doença, a presença do essencial – porém desagradável – tratamento quimioterápico, assim como conflitos relacionados à auto estima/ auto imagem e sobre a vida e a morte.
Tanta coisa mudou na minha vida e em mim. Um rosto estranho no espelho. Não me vejo refletida. Quanta distância entre o eu antes e o eu agora. Mas todos esses cabelos diferentes me ensinam a me enxergar melhor. Essa sou eu, essa outra sou eu e aquela sou eu também… E esta aqui sou eu de verdade.
O relato de Sophie van der Stap está no livro A garota das nove perucas, um diário do período em que a autora viveu a sombra do câncer e a experiência de ter que conviver com tudo o que a doença e seu tratamento acompanha. Com uma escrita informal e carregada de menções às questões que envolvem a parte afetiva a autora, o livro é essencial para aqueles que querem conhecer a realidade e o sofrimento de quem vive um câncer. Além de ter virado filme, veja o trailer em anexo.: