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A INTERESSANTE HISTÓRIA DA PACIENTE QUE ESTÁ VENCENDO A ALOPECIA CAUSADA PELO LUPUS

Placas de alopecia causadas pelo Lúpus no Couro Cabeludo
A foto foi extraída do Atlas online www.dermis.net e é
meramente ilustrativa uma vez que se pretende preservar a paciente.
Há cerca de um ano comecei a atender Fernanda (nome fictício). Pessoa simples, me foi encaminhada por amigos que pediram minha ajuda. Estava com um problema capilar que parecia sério e que gostariam que eu avaliasse. Quando falaram comigo ao telefone, a descrição era de uma alopecia que havia se manifestado na forma de placas em diversas áreas do curo cabeludo. 
Em menos de uma semana após o telefonema recebi Fernanda, de 45 anos, uma diarista de 1,62 metros, com 62kg, cabelos negros, pele castanha clara. Chegou com o olhar baixo, emocional comprometido e extremamente desconfortável pela situação que estava vivendo. Pude perceber que além das placas de alopecia, já descritas pelos amigos e que ela escondia de baixo de um lenço que envolvia todo o couro cabeludo, haviam lesões inflamatórias e hipercrômicas na face, na orelha direita e na porção mais baixa do pescoço, próximo à clavícula, no lado esquerdo. Se eu até então fazia uma vaga ideia do que o quadro poderia ser, e é natural pensarmos em questões mais comuns quando não estamos diante do problema (devo confessar que inicialmente cogitei a possibilidade de ela sofrer de alopecia areata ao ouvir o relato dos meus amigos), diante de Fernanda o cenário todo se mostrou diferente. E olha que eu ainda não havia visto o couro cabeludo, motivo que a trouxera até a consulta. 
O desdobramento da consulta e a avaliação da pele da paciente me levaram a crer na possibilidade do diagnóstico de lúpus eritematoso discóide. Essa possibilidade foi confirmada com os exames complementares, em especial a biópsia de pele feita em três lesões diferentes, no couro cabeludo, no rosto e no pescoço. 
Mediante o diagnóstico do quadro, pude começar o tratamento e solicitar que Fernanda voltasse mensalmente para avaliações de evolução. A entrega da folha de receituário com a primeira prescrição que Fernanda recebeu me marcou muito. Ele fitou a prescrição com muita intensidade por alguns segundos, como se não estivesse mee ouvindo falar, uma vez que eu seguia com orientações que acreditava ser importantes para ela. Por fim, ela desviou o olhar da receita, me fitou nos olhos e disse com convicção, uma convicção que até então eu não havia visto em seu comportamento até então, que aqueles medicamentos iriam “funcionar bem” e que ela logo ficaria boa. 
Naturalmente que não esperei grandes melhoras no primeiro mês, mas, em especial nas placas de alopecia, tinha esperanças de que houvesse alguma recuperação capilar, visto que o patologista deixou claro a permanência de alguns folículos remanescentes na biópsia das placas de alopecia, assim como eu havia constatado a permanência de óstios foliculares em diversas placas de alopecia através da tricoscopia. 
Um mês depois a inflamação das lesões de face, orelha e pescoço já havia reduzido. Um cenário dentro do esperado, uma vez que a abordagem escohida para o tratamento tinha como objetivo esse efeito. Havia apenas um discreto traço de inflamação e marcas hipercrômicas na pele da paciente, típicas das lesões de lúpus. Uma das lesões de pescoço parecia um pouco mais extensa, ainda que estivesse menos inflamatória. 
Que fique claro que para Fernanda as lesões de face, pescoço e orelhas eram menos importantes do que as placas de alopecia. E, apesar de ela ter seguido todas as orientações da prescrição com muita disciplina, as áreas de acometimento fora do couro cabeludo pareciam causar pouco incômodo. Sua preocupação maior era o cabelo e o couro cabeludo. E nessas áreas, apesar de um cenário muito parecido com o observado na primeira consulta, Fernanda mantinha certa a esperança de que iria melhora. Mesmo sem nenhum sinal aparente de recuperação capilar, Fernanda reforçou a sua crença na prescrição, afirmando que logo estaria melhor. Confesso aqui que a esperança dela parecia ser muito maior do que a minha, uma vez que costumo ser muito realista com os resultados que podemos esperar de certos quadros, ainda mais quando estamos diante de doenças que causam alopecias cicatriciais. 
Mais um mês se passou e Fernanda se mostrava feliz. Ainda usava o lenço na cabeça, mas dizia ter notícias boas.  A pele estava melhor, não fosse pelas lesões hipercrômicas que ainda se mantinham mas que estavam estáveis. O couro cabeludo, por outro lado, já denotava sinais reduzidos de inflamação e uma pilificação se formava em algumas placas, iniciando um processo de recuperação capilar bem tímido, mas que a deixava animada e feliz. Naturalmente que comemorei com ela esse sinal de melhora, mas mantive minha postura realista. Ainda assim não era difícil ser contaminado por tamanha alegria e confiança que ela trazia para o ambiente de consulta. 
O tempo foi passando e Fernanda estava a cada dia melhor. Exceto por um evento de dor articular que ela manifestou durante o tratamento e que logo foi tratado com a colaboração de um reumatologista que acompanhava o caso comigo. Os cabelos tem melhorado gradativamente e a paciente mantém a esperança de melhorar ainda mais.
Em minha última avaliação, tenho convicção que algumas áreas realmente não irão recuperar os cabelos. Fernanda diz que isso não importa. Se uma ou outra área não melhorar não fará diferença alguma, uma vez que ela está “vencendo a doença”, como ela mesma diz. Se por um lado o prognóstico da doença é incerto, por outro há a saúde emocional da paciente que parece realmente muito boa. Fernanda não nega a doença, é muito disciplinada com o tratamento, raramente falha nas consultas e mantém uma convicção e foco em sua melhora impressionantes. 
Acredito realmente que a forma como Fernanda encara o problema faz muita diferença no sucesso de seu tratamento. Mais que isso, Fernanda tem dentro de si uma resiliência e uma capacidade de enfrentamento muito grande. Tudo isso somado a uma aura de bom humor que eu só não vi no nosso primeiro encontro.
Fernanda me impressiona e me motiva a dividir a história dela com outros pacientes e pessoas. Um exemplo importante de uma paciente que inspira qualquer profissional a acreditar que patologias de difícil controle podem ser superadas não apenas com medicamentos, mas com a atitude firme e convicta de pacientes como ela, que creem na superação acima de tudo.  
OBS: O nome, a idade e a profissão da paciente foram modificados para evitar identificação da mesma. 
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