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A Linguagem de uma medicina muito antiga

Estive no Museé dés Exploratios du Monde, em Cannes, França, onde tive a oportunidade de visitar a exposição Chamanes – Dialogues avec L´invisible, traduzindo: Xamãs – Diálogos com o Invisível, e fiquei impressionado com o que vi.

Estudei sobre xamanismo durante meu mestrado na PUC-SP. Em uma das disciplinas, voltadas à psicossomática, estudávamos a história e o desenvolvimento da relação psiconeuroendócrina desde a ancestralidade. Os rituais ancestrais e as formas de entender o adoecimento e resgatar a saúde dos povos antigos era também foco do aprendizado.

Muitos cristãos ou descrentes em relação às ritualísticas de povos que existiram no passado e daqueles que preservam suas culturas até os dias de hoje, mostram uma certa relutância em relação em compreender mais a fundo o xamanismo como algo que não seja “demoníaco”, charlatanismo ou bruxaria. Apesar disso, muitos dos conhecimentos que fundamentaram a medicina hipocrática estavam presentes em culturas milenares.

Desde tribos na Ásia, como os Tugus siberianos, passando por civilizações de todos os continentes, líderes de tribos ou sacerdotes desenvolviam, através da observação da natureza, uma relação com aquilo que passaram a crer como divino, o nascer e o por do sol, por exemplo, assim como uma forte conexão com o ambiente onde viviam, fazendo suas experimentações em relação possíveis fontes de alimento, venenos e aqueles que passavam a ser utilizados como medicamentos. A observação dos animais, seus comportamentos e suas virtudes de poder foram incorporados nos rituais como uma maneira de conectar o sacerdote, xamã, com a energia ou significado simbólico de cada animal, o que traria um “poder” extra ao processo de cura.

Com isso, os rituais religiosos e de cuidados com a saúde foram sendo desenvolvidos. Roupas, danças, música, cânticos, ervas curativas e/ou com poder de alterar o estado de consciência eram utilizadas com o propósito de desencadear uma resposta coletiva de conexão com o divino, ou individual de cura.

Naturalmente que, para aqueles povos que não tinham o entendimento sobre ciência cia que temos hoje, aquilo era tudo o que podiam fazer. E, assim como os antigos observavam a natureza, também tiravam suas conclusões sobre o que era bom e o que não era bom em seus rituais, promovendo a evolução de seus conhecimentos e o desenvolvimento de suas práticas. O que dava certo era repetido, o que dava errado era abandonado.

E assim chegamos às civilizações como a Egípcia, as mesopotâmicas, e todas as demais que vieram após elas. Esperado também que na Ásia, na Oceania e nas Américas os povos antigos também evoluíssem da mesma forma.

A exposição mostra claramente os objetos curativos e sagrados desses povos, incluindo alguns que são atuais, pois continuamos tendo xamãs espalhados por todos os continentes, incluindo nas tribos nativas do nosso gigante país.

Sou partidário de que quando se visita uma exposição como esta, é fundamental deixarmos do lado de fora nossos preconceitos e restrições quanto àquilo que se vê ali. Objetos feitos de forma muito rudimentar, máscaras, pinturas, escritos, instrumentos, parecem não se conectar mais com as crenças religiosas da maioria, e com esse mundo “limpinho” demais que vivemos hoje, onde tudo que não parece de acordo com nossas crenças é tido como algo “impuro” ou do mal. Muitos deles são feios, estranhos demais, com aspecto que causa certa repulsa, mas que cumpriam sua função, e para os antigos era o que importava. Porém, por mais que esses conhecimentos e práticas soem estranhas e ultrapassadas, é possível vê-las ressurgirem nos dias atuais de outras formas, na cultura pop por exemplo, nas danças, nas batidas das músicas, nas roupas que os artistas utilizam…

Também podemos vê-las na fitoterapia, no uso de argilas, de óleos minerais, de extrato vegetais, de unguentos que ganham espaços em prateleiras de lojas de produtos naturais, farmácias, supermercados e até mesmo em receituários médicos. O que mudou foi a ritualística. Hoje o profissional de saúde que prescreve esses cuidados não se veste com peles de animais, máscaras pintadas com cores extraídas de plantas ou do sangue de suas caças. Ele se veste de branco, e quando usa máscara, é para, através do ritual adquirido em graduações e pós graduações, realizar procedimentos que vão ajudar a tratar seus pacientes.

A medicina nasceu dos xamãs, e hoje olhamos para eles com desdém. Falta respeito à essa antiga linguagem da medicina.

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