Você já reparou que, em muitos casos, o cabelo cai mais nas partes da frente e do alto da cabeça, mas permanece firme na região de trás? Esse padrão não é aleatório — e a ciência agora começa a entender que a explicação pode estar lá atrás, nos primeiros dias de formação do nosso corpo, durante o desenvolvimento embrionário. Sim, a calvície pode estar, literalmente, escrita em nossa origem celular.
A calvície de padrão masculino (conhecida como alopecia androgenética masculina ou MPHL, na sigla em inglês) afeta até 80% dos homens ao longo da vida. E embora já saibamos há tempos que os hormônios androgênicos (como a testosterona e, principalmente, a di-hidrotestosterona ou DHT) têm um papel central nesse processo, ainda não estava claro por que apenas os fios na parte frontal e superior da cabeça são afetados, enquanto os da nuca permanecem intactos.
Um novo estudo publicado na Experimental Dermatology propõe uma explicação fascinante: essa diferença pode estar ligada à origem embrionária dos tecidos do couro cabeludo.
O que muda entre as áreas calvas e não calvas?
Segundo os autores, os folículos capilares da parte frontal e superior da cabeça — regiões que sofrem mais com a miniaturização dos fios — seriam originários de células da crista neural ectodérmica, enquanto os folículos da região occipital (nuca), geralmente preservados mesmo em quadros avançados de calvície, viriam do mesoderma paraxial. Esses dois tipos de tecido embrionário dão origem a células com comportamentos distintos ao longo da vida, inclusive em como elas respondem aos hormônios androgênicos.
E por que isso importa?
Porque os folículos derivados da crista neural teriam uma maior sensibilidade à ação da DHT, o hormônio responsável por desencadear a miniaturização dos fios. Esse processo reduz o tempo de crescimento do cabelo (fase anágena), alonga o tempo de repouso (kenógena) e leva à produção de fios mais finos e curtos — até que eles desaparecem.

Como a miniaturização acontece?
A DHT se liga a receptores androgênicos (AR) presentes na papila dérmica do folículo piloso. Essa ligação ativa uma cascata de genes que promove o afinamento dos fios. Curiosamente, estudos mostraram que esses receptores e as enzimas que convertem testosterona em DHT estão mais expressos nos folículos frontais do que nos occipitais. Isso explicaria a famosa “dominância do doador” observada em transplantes capilares — quando fios da nuca transplantados para a frente da cabeça continuam crescendo normalmente, mesmo em ambiente de alta presença de DHT.
Será a calvície um envelhecimento precoce localizado?
Outra proposta do estudo é que os folículos capilares que mais sofrem com a calvície podem estar passando por um envelhecimento acelerado, impulsionado por essa hiperatividade hormonal. O ciclo do cabelo nesses folículos é mais curto, fazendo com que eles passem por mais divisões celulares em menos tempo — o que pode esgotar a capacidade regenerativa das células-tronco do folículo. Marcadores de envelhecimento celular, como a proteína p16INK4a, estão aumentados em áreas calvas, reforçando essa hipótese.
E a genética?
A genética, claro, não fica de fora. A alopecia androgenética está fortemente associada a variantes genéticas no gene do receptor androgênico (AR), localizado no cromossomo X. Outras regiões do genoma, como o locus 20p11, também mostram forte correlação com a condição. Porém, curiosamente, esses marcadores são mais relevantes em homens — a alopecia de padrão feminino (FPHL) parece ter um comportamento genético diferente e menos centrado nos andrógenos.
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É normal ter menos cabelo de um lado da cabeça?
Embora a simetria seja comum na alopecia androgenética, algumas pessoas podem sim notar diferença na densidade capilar entre os lados da cabeça. Isso pode refletir variações no padrão genético de sensibilidade à DHT, diferenças locais na microcirculação, hábitos posturais (como dormir sempre do mesmo lado) ou até pequenas diferenças embriológicas entre os lados. No entanto, assimetrias acentuadas ou de início súbito devem ser avaliadas por um especialista, pois podem sinalizar outras formas de alopecia, como a alopecia areata ou processos inflamatórios localizados.
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Conclusão
Este estudo não apenas aprofunda nosso entendimento sobre os mecanismos celulares da calvície masculina, como também propõe um modelo que conecta embriologia, endocrinologia e envelhecimento em uma só explicação. A calvície, segundo os autores, pode ser uma forma localizada de envelhecimento celular acelerado, desencadeado por hormônios, mas modulado pela origem do tecido onde cada fio nasce.
Essa visão pode abrir portas para novas terapias que vão além do bloqueio hormonal e passem a focar também na reprogramação celular, na regeneração do nicho folicular ou até em terapias senolíticas — aquelas que eliminam células envelhecidas.
Referência
Redmond LC, Limbu S, Farjo B, Messenger AG, Higgins CA. Male pattern hair loss: Can developmental origins explain the pattern? Exp Dermatol. 2023;32(9):1174–1181. https://doi.org/10.1111/exd.14839