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Alopecia Frontal Fibrosante e Tricotenomania: A Complexa Intersecção Entre Autoimunidade e Transtornos Compulsivos

A perda capilar não se limita a uma questão estética – muitas vezes, representa um reflexo de processos autoimunes, distúrbios psicológicos e hábitos compulsivos. A Alopecia Frontal Fibrosante (FFA) é um tipo de alopecia cicatricial progressiva, caracterizada pelo recuo da linha capilar frontal e temporal, muitas vezes acompanhado da perda de pelos nas sobrancelhas. Sua patogênese ainda não está completamente elucidada, mas acredita-se que tenha relação com o Liquen Plano Pilar, um distúrbio inflamatório autoimune que causa destruição permanente dos folículos capilares. A ausência de pelos terminais e vellus na linha capilar é um achado típico, e alguns pacientes apresentam o chamado pseudo “fringe sign”(pseudo-franja), onde alguns fios remanescentes se mantêm na borda da alopecia.

O estudo analisado destaca um caso raro de concomitância entre FFA e Tricotenomania, uma condição psicodermatológica caracterizada pelo hábito compulsivo de cortar ou raspar os próprios cabelos. Diferente da Tricotilomania, que envolve o ato de arrancar os fios, a Tricotenomania é um comportamento menos perceptível, no qual o paciente utiliza lâminas ou tesouras para cortar os cabelos de forma irregular, muitas vezes sem admitir o hábito. A paciente do estudo, uma mulher de 46 anos, apresentava recuo da linha capilar frontal e temporal compatível com FFA, mas com áreas de cabelos curtos e abruptamente cortados, algo incomum para esse tipo de alopecia cicatricial. A análise tricoscópica revelou sinais característicos das duas condições: perda de óstios foliculares, hiperqueratose folicular e áreas brancas cicatriciais típicas da FFA, além de pontos negros e fios de tamanhos irregulares com extremidades cortadas – um forte indicativo de Tricotenomania.

Imagem extraída do artigo que baseou este texto (Porriño-Bustamante ML et al. IJDVL 2021)
Imagem extraída do artigo que baseou este texto (Porriño-Bustamante ML et al. IJOVL 2021)

A presença de Tricotenomania pode mascarar o diagnóstico da FFA, pois os fios cortados e irregulares podem ser confundidos com cabelos em regeneração ou outros tipos de alopecia não cicatricial. Além disso, os danos mecânicos constantes podem agravar a inflamação local, acelerando a progressão da FFA. Esse caso levanta questões importantes sobre a necessidade de uma abordagem multidisciplinar no diagnóstico e tratamento da alopecia, que deve envolver dermatologistas, psiquiatras e psicólogos. Pacientes com comportamentos compulsivos como Tricotenomania frequentemente apresentam transtornos de ansiedade ou controle de impulsos, e podem se beneficiar do uso de moduladores do sistema glutamatérgico, como a N-acetilcisteína, que tem sido estudada como um tratamento potencial para tricotilomania e outros transtornos do espectro obsessivo-compulsivo.

Além disso, a Tricoscopia desempenhou um papel fundamental na diferenciação entre as duas condições. Enquanto a FFA apresenta sinais como hipopigmentação cicatricial, perda de óstios foliculares e hiperqueratose, a Tricotenomania revela fios abruptamente cortados, pontos negros e ausência de inflamação folicular significativa. O estudo reforça a importância do exame tricoscópico na prática clínica, especialmente em casos de alopecia atípica, onde múltiplas condições podem coexistir.

Outro achado relevante foi a presença de Alopecia Androgenética (AGA) incipiente na paciente, identificada por diversidade nos diâmetros dos fios e miniaturização progressiva na região parietal. A AGA é um tipo de alopecia não cicatricial e, embora sua concomitância com a FFA seja frequente (ocorrendo em até 30% das mulheres com FFA), o impacto da Tricotenomania sobre essa progressão ainda não é bem compreendido.

Esse estudo destaca a complexidade dos distúrbios capilares e a importância de um diagnóstico preciso, especialmente quando há múltiplas causas subjacentes para a perda de cabelo. Condições como a FFA, que pode ser irreversível, e a Tricotenomania, que tem uma origem psicogênica tratável, exigem abordagens distintas. A combinação de exames clínicos, tricoscopia e, em alguns casos, biópsia do couro cabeludo, é essencial para evitar diagnósticos equivocados e definir a melhor estratégia terapêutica.

À medida que a tricologia avança, torna-se evidente que a queda capilar deve ser vista não apenas como um problema dermatológico, mas como um fenômeno multifatorial, no qual fatores autoimunes, hormonais, ambientais e psicológicos interagem de maneira complexa. O desafio está em reconhecer essas interações e oferecer tratamentos que não apenas interrompam a progressão da alopecia, mas que também abordem as causas subjacentes para uma abordagem verdadeiramente eficaz.

Referência:

Porriño-Bustamante ML, Arias-Santiago S, Buendía-Eisman A. Concomitant occurrence of frontal fibrosing alopecia and trichotemnomania: The importance of trichoscopy. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2021;87:112-5. doi:10.25259/IJDVL_635_19.

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