Tenho lido alguns livros do psiquiatra e ensaísta Anthony Daniels, que assina suas obras com o nome de Theodore Dalrymple. São 3 livros dele já lidos e minha curiosidade por seus textos ficam cada vez maiores. Fazendo argumentação e contra argumentação, com um certo humor, e muita inteligência, Dalrymple transita em campos de discussão que são absolutamente essenciais para entendermos o cenário da vida atual do ocidente.
Em um de seus livros, Falso Positivo, o autor analisa estudos publicados pela mais importante revista médica do mundo, o New England Journal of Medicine. Comenta sobre questões metodológicas, sobre omissões, sobre erros e discute, ilustrando com exemplos de casos reais, as razões pelas quais está criticando a muitas dos estudos e pesquisas ali presentes. Faz elogios também, quando merecidos, que fique claro, não reduz seus comentários apenas a falar de erros, apesar de focar neles.
Ao discutir um artigo que fala sobre o elevado índice de prescrição de medicações da classe dos opiáceos para o tratamento da dor por médicos americanos, Dalrymple cita um caso em que um médico havia sido processado por conta de dar mais receitas dessas medicações por um paciente que se tornou adicto delas. Detalhe, tal paciente, por várias vezes, pedia novas receitas alegando ter perdido as anteriores, uma mentira contada por ele para obter mais receitas e poder ter acesso a uma maior quantidade da medicação. Há aqui um ponto importante a ser discutido, teria o médico de negar as novas receitas, uma vez que a responsabilidade pela “perda” das receitas seria do paciente? Ou o médico, baseado na boa fé que deve pautar uma relação médico-paciente, deveria realmente fazer novas receitas para o paciente que dizia ter perdido as suas? O resultado do processo foi o de que o paciente perdeu, uma vez que o médico se baseava na relevância da medicação para o paciente e acreditava nas mentiras que a paciente contava.
Na série Doutor House, estrelada pelo excelente ator Hugh Laurie, o médico Gregory House é um especialista em casos de difícil diagnóstico e tratamento em um hospital fictício, o Princeton-Plainsboro. Sua capacidade de resolver problemas clínicos é absolutamente elevada, porém, havia um detalhe em sua conduta, House não acreditava no que os pacientes diziam. Se não em tudo, pelo menos em parte. Ele sabia que poderia haver algo que o paciente estivesse omitindo ou mentindo em todos os casos. E isso se confirmava ao final de cada episódio, uma vez que a verdade sempre vinha a tona.
Fica aqui uma pergunta para a reflexão de quem está lendo este texto, você já mentiu para seu médico, dentista, nutricionista, psicoterapeuta? Se sim, pense no quanto isso pode ter prejudicado a conduta de qualquer um desses profissionais na condução do seu caso. Sim, é duro ter que dizer a verdade em alguns momentos, mas quando se trata da sua saúde, porque não fazê-lo, uma vez que o prejudicado por sua mentira será sempre você mesmo? E não estou falando de mentiras graves, como a do caso que eu citei acima do paciente que dizia ter perdido as receitas de uma medicação controlada para poder suprir um vício adquirido com o uso das medicações. Estou falando de mentiras bestas, pequenas, mas que impactam negativamente no curso do tratamento. Esconder certos hábitos (alimentares, consumo de drogas), mentir sobre a frequência de lavagem, não usar uma medicação de forma adequada ou com a frequência de uso exigida… Não há vergonha em dizer a verdade. Se existe alguém que quer te ajudar, esse alguém é o profissional que cuida de você. Seu sucesso, é o sucesso dele.
Como médico, posso afirmar que me realizo como profissional e homem na medida que vejo que o fruto de meu trabalho (a melhora de meus pacientes), é o desejado. Um profissional a área da saúde, é antes de tudo, um parceiro do paciente. Alguém que tem tanto interesse na melhora como o próprio paciente. E se essa relação for baseada na mentira, isso é péssimo.
E já que falamos sobre Dalrymple no começo do texto, e disse que ele faz a argumentação e a contra argumentação, vou agora falar sobre as mentiras que alguns profissionais, de má fé contam. Como, por exemplo, prometer resultados que são imprevisíveis. Isso também é grave, uma vez que cria uma expectativa no paciente que se não for alcançada, gera frustração e perda da confiança no trabalho do profissional. E, digo com 100% de certeza, que o profissional de boa fé não quer isso.
Então, numa relação médico-paciente, ou profissional de saúde-paciente, não cabe mentira dos dois lados. Se você esconde ou mente para seu médico, repense sua conduta. Se você é profissional de saúde e cria ilusões na cabeça de seus pacientes que não irão se confirmar, reveja sua forma de conduzir sua prática clínica. Acredito que assim teremos benefícios para todos os envolvidos.