É muito comum associar o uso de medicações para queda de cabelo com problemas de disfunção erétil. Parece até algo que faz parte do inconsciente coletivo dos pacientes “mais informados” sobre o tema. E, nessas horas, o velho jargão escutado em clínicas de dermatologia ou nas especializadas em tratamentos da queda capilar prevalece: Prefiro ficar careca a ficar brocha.
Nesse exato momento não consigo me lembrar qual foi o imperador romano que, na medida que ficava careca fez a primeira associação da perda capilar com virilidade. Isso é certo, está em um dos livros de história da medicina que já li e quando me lembrar volto aqui para dar “nome ao boi”, digo, imperador. Dessa forma, garantindo aos calvos, em especial a si mesmo, uma fama de mais viril, poderia ele se beneficiar de sua calvície, em vez de ser ela um aspecto que prejudicaria sua auto estima e auto imagem.
O tal imperador romano, à sua época, sequer imaginava o link que poderia haver entre calvície e a ação dos hormônios masculinos. Mas, desde então, parece que esse fato foi se tornando algo praticamente impossível de ser desvinculado. Como já comentado no primeiro parágrafo desse texto, algo que parece ter ficado como uma informação corrente, pertencente à sabedoria popular ou, ao inconsciente coletivo, usando um linguajar junguiano.
Na primeira metade do século passado o mecanismo de surgimento da calvície começou a ser esclarecido e, o “oracular” imperador, parecia ter acertado, ao menos em parte sobre a relação entre calvície e hormônios masculinos. Havia sim, um certo vínculo entre atividade dos hormônios masculinos e a calvície, porém, não necessariamente vamos encontrar taxas de hormônios masculinos elevadas no sangue dos calvos. E é ai que quem acredita que calvície é sinônimo de mais virilidade se engana. A virilidade não está associada à quantidade de cabelos no topo da cabeça.
Quando no final da década de 90 surge a primeira medicação para o tratamento da calvície com um mecanismo de ação pautado na inibição de uma enzima responsável pela transformação de testosterona em diidrotestosterona (DHT) – esse último responsável pelo envolvimento de hormônios masculinos com a perda capilar – as questões que relacionavam tratamento de calvície com diminuição da libido ganham força. A tal medicação, inicialmente projetada para o tratamento do tumor benigno de próstata, tem como efeito colateral melhora no quadro capilar dos pacientes que a utilizavam e, logo foi readaptada para estudos em pacientes calvos.
Estudos mostram que o índice de efeitos colaterais relacionados ao risco de redução da libido e disfunção erétil costuma ser abaixo de 1,5%. Um índice baixo de manifestações.
Outros estudos já comentados nesse blog dizem que uma vez que o paciente desenvolve um desses efeitos colaterais, poderá ainda ter manifestações por até quarenta meses após a interrupção da medicação (leia o comentário sobre esse estudo no link: Efeitos colaterais de forma prolongada). Nesse caso, antes mesmo de se pensar que os efeitos colaterais poderiam durar cerca de meses após interrupção do uso, o paciente deveria apresenta-lo enquanto em uso.
A questão é que no atendimento médico o que vemos é um índice muito maior de usuários da medicação manifestando o quadro. Seriam então os estudos manipulados para que o impacto de efeitos colaterais da medicação fosse dado como baixo, reduzindo a resistência do paciente ao uso? Ou na verdade a mítica da virilidade que vem dos remotos tempos do império romano estaria pesando, uma vez que hoje realmente se sabe que há um vínculo entre a calvície e a atividade dos hormônios masculinos e tomar uma medicação que interferisse de alguma forma no balanço desses hormônios é um agente gerador de medo e insegurança por parte dos usuários?
Sendo a calvície, um agente que interfere diretamente na auto estima e na autoconfiança dos pacientes, não seria ela já um agente causador de insegurança e receio quando de uma relação sexual? Tendo a medicação já alçado um status de possível causadora de diminuição da libido e disfunção erétil, não seria o receio em utilizar a droga um fator que antecipa um efeito colateral que poderia não ocorrer? Nesse caso, a informação sobre o medicamento (essa coisa do inconsciente coletivo), virando um sintoma?
E os tantos outros pacientes que chegam dizendo que, após iniciada a medicação, acabam se sentindo ainda mais viris?
O que penso é que na verdade, muito ainda tem que ser desmistificado sobre essas medicações. Muito ainda tem que ser compreendido e estudado, e se houver informações que sejam incoerentes com o que vemos na prática clínica
, sejam elas para o bem do paciente ou para que ele fique mais atento à realidade dos possíveis efeitos colaterais que a medicação acompanha, isso deve ficar ainda mais claro. Do contrário, estaremos sempre trabalhando às escuras, médicos e pacientes, incertos sobre os riscos de nossas prescrições.
, sejam elas para o bem do paciente ou para que ele fique mais atento à realidade dos possíveis efeitos colaterais que a medicação acompanha, isso deve ficar ainda mais claro. Do contrário, estaremos sempre trabalhando às escuras, médicos e pacientes, incertos sobre os riscos de nossas prescrições.
Nesse momento, pelo menos até onde posso compreender, o índice de efeitos colaterais relacionado a essas medicações é bem mais elevado do que mostram as pesquisas. Fica ai a dúvida, seria a incidência de efeitos colaterais mais elevada mesmo ou estaríamos diante de um número enorme de pacientes vivenciando aquilo que chamamos de efeito nocebo (apresentando sinais e sintomas clínicos relacionados muito mais às informações que passamos para os pacientes por sugestionabilidade do que por ser a droga causadora do problema em si)?