Siga-nos nas redes sociais!

Breuer X Nietzsche e a discussão sobre a verdade – Comentários sobre o Capítulo 6 do livro Quando Nietzsche chorou de Irvin D. Yalom

Ontem, antes de cair no sono, decidi dar sequência à leitura de algumas poucas páginas do livro Quando Nietzsche chorou pois a madrugada já roubava meu tempo de descanso. Despretensiosamente segui minha leitura de onde havia parado e iniciei o capítulo 6 da obra de Irvin D. Yalom, acreditando que na verdade apenas algumas linhas seriam suficientes para me fazer cair no sono. 
A questão é que Yalom, em sua obra de ficção, me fez despertar. A temática do capítulo foi a questão relacionada às verdades e as possibilidades de escolha que ela permite. Se por um lado, o médico Josef Breuer entendia que algumas verdades não precisam ser trazidas à presença de pacientes, por exemplo, Nietzsche por sua vez argumentava sobre o quanto elas poderiam ser importantes para a realização de escolhas pelas pessoas que as recebiam. 
Como médico, não pude deixar de me posicionar tal como Breuer em uma boa parte dos momentos. Mas a contra argumentação de Nietzsche, muito bem fundamentada, me convidou à reflexão e, naturalmente, me fez mudar de lado várias vezes. 
Honestidade na relação médico paciente e a temática da esperança fizeram parte da discussão, deixando o capítulo ainda mais interessante. Observem os comentários de Breuer sobre a relação honesta entre médico e paciente:
Não estou disposto a discutir essas questões de prática médica, professor Nietzsche. O senho formula perguntas diretas. tentarei respondê-las também de forma direta. Concordo com sua posição sobre os direitos do paciente. Mas o senhor omitiu um conceito igualmente importante: as obrigações do paciente. Prefiro um relacionamento completamente honesto com meus pacientes. Mas a honestidade deve ser recíproca: também o paciente deve estar empenhado na honestidade para comigo. A honestidade – perguntas honestas, respostas honestas – contribui para a melhor das medicinas. Sob essa condição, pois, dou-lhe minha palavra: compartilharei com o senhor todo meu conhecimento e minhas conclusões. 
Mas professor Niezstche, eu não concordo que deva ser sempre assim. Para certos pacientes e em certas situações, o bom médico deve, para o bem do paciente, esconder a verdade.
Ao que Nietzsche responde: 
Sim, doutor Breuer, ouvi muitos médicos dizerem isso. Mas quem tem o direito de tomar essa decisão por outrem? Essa postura apenas viola a autonomia do paciente. 
E Breuer contra argumenta:
É meu dever oferecer conforto aos meus pacientes. Não se trata de um dever fácil. Às vezes, é uma tarefa ingrata; às vezes, não posso compartilhar certas más notícias com o paciente; às vezes, devo me calar e suportar a dor tanto pelo paciente como pela família. 
E claro que a discussão se prolonga. Mas esse trecho dá uma pequena noção da grandiosidade da discussão elaborada pelo autor para esse capítulo. Assim como demonstra como pode ser interessante a temática da verdade e da honestidade frente a fatos relacionados à saúde, e à relação médico paciente. Não tive como me posicionar apenas de um lado nessa discussão. E ao mesmo tempo que me coloquei no lugar do médico, em outros momentos me fiz sentir paciente e concordei com Niezstche. 
Em um outro determinado momento do mesmo capítulo Breuer salienta a importância de manter a esperança do paciente. Qualquer que seja o prognóstico. Niezstche por sua vez diz que a esperança não é uma arca de boa sorte, mas um desejo de Zeus de que o homem continue se permitindo ser atormentado. Diz ainda que a esperança é o pior dos males, porque prolonga o sofrimento. 
Nesse caso, meu partido por Breuer acentuou e discordei da argumentai de Niezstche. Acredito que a esperança do paciente é essencial para a evolução dos cuidados com a saúde e para gerar disciplina e fidelização ao tratamento. Porém, sempre com honestidade frente aos resultados que os pacientes podem conseguir na medida que o quadro vai sendo avaliado. 
Vale reforçar que a obra de Irvin D Yalom é uma ficção, mas trabalhar com personagens que foram reais é algo encantador. Conhecer a obra e a vida deles para escrever uma ficção com conteúdo reflexivo tão profundo é uma arte que apenas os vocacionados conseguem. 
Natural então que, ainda que eu não tenha terminado o livro – dormi ao final do sexto capítulo – possa esperar dele muito mais. Mas se tivesse que indicar a alguém apenas pelo que li até agora, em especial por este sexto capítulo certamente que o faria. 
Quem tiver curiosidade de ler certamente não se sentirá perdendo tempo, mas sim sendo convidado à reflexão por um autor que além de ser um grande pesquisador, é um ótimo romancista. 
+ Mais posts