
Por mais de uma década, a creatina foi cercada por especulações sobre seu possível papel na indução da alopecia androgenética, alimentadas por um único estudo de 2009 que observou aumento transitório de DHT em jogadores de rúgbi suplementados. Desde então, esse achado foi amplamente citado, mas nunca reproduzido em protocolos clínicos mais robustos.
Agora, finalmente temos dados diretos e sólidos para responder à pergunta: creatina causa queda de cabelo?
O estudo Does creatine cause hair loss? A 12-week randomized controlled trial, publicado em 2025 no Journal of the International Society of Sports Nutrition, oferece a resposta com rigor metodológico: não, a creatina não induz queda capilar em homens saudáveis.
Estudo clínico: metodologia e resultados
Quarenta e cinco homens treinados em musculação, entre 18 e 40 anos, foram randomizados para receber creatina monohidratada (5 g/dia) ou placebo (maltodextrina), durante 12 semanas, mantendo dieta e treinos constantes. Os parâmetros avaliados incluíram testosterona total, testosterona livre, DHT, razão DHT:testosterona e uma bateria completa de exames tricológicos, com Trichogram e FotoFinder, incluindo densidade, espessura cumulativa, porcentagem de fios anágenos e telógenos, e número total de unidades foliculares.
O resultado? Nenhuma diferença significativa foi observada entre os grupos em relação a hormônios androgênicos ou parâmetros capilares. A creatina não modificou DHT, tampouco interferiu na razão DHT/testosterona ou na qualidade dos folículos.
O estudo também monitorou função renal (creatinina, eGFR) e confirmou a segurança do suplemento.
Contextualização fisiológica e revisão crítica
A creatina é uma substância naturalmente produzida pelo organismo e armazenada em tecidos de alta demanda energética, como músculos, cérebro e, em menor proporção, pele e anexos. Sua principal função é a regeneração rápida de ATP. Mas estudos recentes apontam para funções mais amplas: modulação de vias inflamatórias, efeitos antioxidantes, influência sobre IGF-1 e potencial ação mitocondrial benéfica — todas com implicações potenciais no crescimento e manutenção capilar.
A especulação sobre queda capilar se baseava em um mecanismo teórico: o aumento da conversão de testosterona em DHT via 5α-redutase. Contudo, como o presente ensaio clínico demonstrou, esse efeito não se sustenta quando controlamos dieta, dose e duração.
Implicações para a tricologia e a prática clínica
A mensagem que fica é clara: não há justificativa científica atual para contraindicar creatina com base no risco de alopecia. Pelo contrário, ao considerar suas propriedades bioenergéticas e anti-inflamatórias, o composto merece atenção como coadjuvante em protocolos terapêuticos — sobretudo em casos de alopecias associadas à disfunção mitocondrial ou inflamação perifolicular.
Cabe aos profissionais da área atualizar seu repertório e abandonar dogmas que não resistem à evidência. A ciência se move, e com ela deve caminhar nossa prática.
Referência
Lak M, Forbes SC, Ashtary-Larky D, et al. Does creatine cause hair loss? A 12-week randomized controlled trial. J Int Soc Sports Nutr. 2025;22(S1):2495229. doi: 10.1080/15502783.2025.2495229