Ontem, enquanto ministrava aula de psicossomática em tricologia para a terceira turma de Tricologia e Terapia Capilar da Universidade Anhembi Morumbi, conversei com meus alunos sobre o mal que alguns pais fazem com seus filhos, muitas vezes ainda bem pequenos.
Natural que a grande maioria dos pais quer o melhor para seus filhos, disso, não tenho dúvidas. Mas há um certo limite entre o que é melhor para um filho e o que é causar um dano severo e com consequências duradouras em suas vidas.
A conversa começou quando contei sobre um casal de pais que veio a minha clínica questionar a saúde capilar de sua filha de 4 anos de idade. Naturalmente que há casos de problemas capilares importantes nessa faixa etária, incluindo alopecias severas ou tricoses (doenças das fibras capilares), que comprometem muito a qualidade e a quantidade dos cabelos.
Mas não era o caso, a menina, uma garotinha linda, tinha apenas um cabelinho mais fino, natural para sua faixa etária e para quem tem a pele clara como a dela. Avaliei todo o couro cabeludo com o cuidado que realizo todos os exames que pratico em meus pacientes. Resultado: couro cabeludo normal, densidade capilar normal, sem sinais de queda, sem sinais de quebra ou rarefação capilar e saúde da fibra capilar normal (brilho, hidratação, elasticidade, maciez). Eram características dos cabelos a cor loiro escuro com cachos. Conclusão, uma cabeleira normal, ainda que com cabelos finos e delicados típicos do biotipo da garotinha e de sua idade.
Após esta constatação, quando já estava finalizando a consulta e, de minha parte, afirmando para os pais que estava tudo bem com sua filha, a mãe me diz que tem uma última pergunta. Olha para os cabelos da filha com certo desprezo, pega uma mecha dos cabelinhos da menina e me pergunta: e ela vai ter sempre esse cabelinho ruim (como se ter o cabelo cacheado fosse algo ruim). Quando vou poder alisar esse cabelo?
Minha indignação foi tamanha que não consegui me conter. Tive que ser duro com aquela mãe, assim como com o pai que, mesmo após ouvir os comentários da mãe não se manifestou contrariamente, sequer para diminuir o impacto da fala da mãe sobre a filha.
Não sou do tipo de pessoa que acredita que o(a) filho(a) tem que ser elogiado pela sua beleza física todo o tempo. As qualidades de um ser humano transcendem a estética e vão muito além desse aspecto padronizado tão valorizado na atualidade. Acredito que as virtudes de um indivíduo estão muito mais arraigadas naquilo que ele pode ser e realizar por ele e pelos que venham a conviver com ele do que por ser belo ou por estar seguindo um padrão estético da moda.
Padrões esses que tem sido motivo de deformação física de muitas pessoas (entre elas tantas celebridades que vemos na mídia) que perderam o bom senso e cruzaram a linha tênue que delimita o belo e o tosco.
Devemos lembrar que uma criança, em seu processo de desenvolvimento tem que encontrar nos pais ou em quem está exercendo o papel dos pais o apoio necessário para o desenvolvimento de suas virtudes como ser humano. Deve se sentir encorajada e apoiada naquilo que é bom para ela e para o papel que ela venha a exercer na sociedade. De preferência, deve ser aceita como ela é, em especial no que diz respeito aos seus aspectos físicos, principalmente se não houver nada que esteja comprometendo sua saúde, como seriam os casos de obesidade mórbida ou de qualquer outro transtorno alimentar, s´como exemplo.
E deve ser poupada de qualquer projeção infundada de seus pais, que querem realizar nos filhos aquilo que não puderam realizar em si mesmos, sob o risco dessa criança crescer com o sentimento de que se não atender as demandas mais bizarras de seus pais, não terão deles os esperados feedbacks positivos que os fazem desenvolver com confiança e estima.
Uma mãe que realiza contra um filho um ato de agressão, de crueldade e baixeza ímpar, como a mãe de minha paciente realizou durante a consulta, com a conivência do pai (ou seja, o pai silencia ao ouvir o comentário dessa mãe, o que o torna tão cruel quanto ela), está afirmando para sua filha que há nela defeitos que ela não esperava que a filha tivesse. Como se a própria menina tivesse culpa pela genética transmitida pelos seus pais.
Como esperamos que essa criança cresça do ponto de vista psicoemocional tendo pais que agem dessa maneira? Que mensagem esses pais estão dando para sua filha quando além de não a aceitarem como ela é ainda vão atrás de um profissional para questionar quando podem começar a realizar procedimentos estéticos para mudar o cabelinho da menina?
E aqueles pais que, sequer recorrem ao profissional e desde cedo começam a levar seus filhos para a realização de procedimentos estéticos que além de desnecessários podem ter como efeitos o dano à integridade física dos mesmos, em especial as químicas capilares de alisamento?
Uma coisa é corrigir uma formação inadequada de estruturas anatômicas como um lábio leporino. Outra coisa é submeter uma criança de 4 a 5 anos a procedimentos de alisamento capilar. Creio que o leitor desse texto vai concordar comigo que há uma grande diferença entre esses problemas físicos e seus procedimentos.
O bom senso, a reflexão e a responsabilidade dos pais em se postarem como educadores parece que evanesce em nossa sociedade. Em especial para esses pais que perderam a capacidade de enxergar a curto, médio e longo prazo a beleza que há em se criar seres humanos saudáveis tanto no aspecto físico quanto no psicoemocional. Estão mais preocupados em terem em casa pequenos modelos de estética, bibelôs de uma época que estimula apenas a beleza da casca, mas que permite e aceita a deterioração do ser humano desde a sua mais tenra infância.
Um caminho triste para uma sociedade que escolhe a “falsa beleza”
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