Há certas coisas que evoluíram muito nos últimos anos. Uma delas é o fato de que o conhecimento, antes algo acessível a poucos, tornou-se mais horizontal. Com uma conexão a internet e uma boa ferramenta de busca qualquer pessoa pode ter acesso a todas as fontes mais confiáveis sobre determinados assuntos. Terá, nesse caso, de ter inteligência para triar o joio do trigo.
Há uma certa sensação de liberdade no ar por conta disso. E, vale lembrar aqui, seu lado bom e seu lado ruim. O leigo pode saber mais de um assunto do que um profissional. Um profissional de outra área pode saber mais de um tema do que o profissional que, supostamente, deveria ser versado nele. Isso acaba exigindo de quem quer ficar no mercado um esforço de atualização nunca visto antes.
Sinto que muita gente ainda não percebeu isso. Me faz lembrar meu São Paulo Futebol Clube (SPFC) da década passada. Ganhava tudo, mas parece que o fato de não ter adversários à altura fez a administração do clube perder a direção. Outros clubes se fortaleceram. Aprenderam com os acertos do SPFC e com seus próprios erros e evoluíram. Uma evolução tão significativa que impuseram ao “soberano” SPFC (adjetivo dado pela própria diretoria ao clube durante a fase de vacas gordas) um jejum de títulos importantes e um risco seguido de visitas à segunda divisão, algo que até hoje não se consumou.
Pode ser que você não entenda porque usei um exemplo futebolístico como argumento aqui. Mas é fácil explicar. Em especial porque o SPFC estava tão acima dos demais concorrentes que parou no tempo. Os outros times se organizaram, melhoraram sua capacidade administrativa. Evoluíram em áreas onde o amadorismo do futebol brasileiro prevalecia. E como não havia bons profissionais apenas no SPFC, algo que a diretoria do clube parece ter menosprezado também, Grêmio, Internacional, Cruzeiro, Atlético, Corinthians, Santos e Palmeiras se estruturaram para crescer e mostrar que podiam se organizar uma vez que são gigantes do nosso futebol.
Bem, disse que ia explicar mas não expliquei até agora. Vamos aos fatos. Hoje temos bons profissionais em todas as áreas da saúde. Profissionais cujos conselhos permitem que executem procedimentos que até então eram exclusivos de certas áreas ou grupos. Não escrevo este texto para falar no mérito de quem pode fazer ou não e o que pode ser feito. Mas entendo que responsabilidade, boa formação, bom senso e, principalmente, bom treinamento fazem bons profissionais em todas as áreas.
Quando vejo certos argumentos de que apenas um grupo específico de profissionais pode fazer algo, sendo que as entidades que se responsabilizam por outros grupos entendem que esses também podem ter capacitação por fazê-lo, me pergunto o que é certo e o que é errado. Manter o estado do pioneiro, tendo direito exclusivos a realizar procedimentos em determinadas áreas ou permitir que quem se organizou, estudou e se desenvolveu também possa fazer.
Em um mundo onde o conhecimento tornou-se horizontal é natural que a concorrência aumente e que muitos evoluam com os erros e acertos de quem foi pioneiro. Na área da saúde há sempre o risco de profissionais sem boa formação, capacitação ou bom senso errarem mais do que os melhores capacitados (recentemente tivemos caso de profissional médico fazendo procedimento de risco em paciente em um ambiente não médico que levou a paciente a óbito). Mas há pessoas qualificadas em todas as áreas de formação, logo, sou obrigado a acreditar na seleção natural. O mercado, na medida em que se acomoda vai elegendo quem seguirá fazendo algo ou não.
Sou contrário ao fato de qualquer profissional realizar procedimentos e orientações sem o devido bom senso, capacitação e de maneira ilegal, mas quando isso não é um entrave, não vejo porque não fazer. Independentemente disso, respeito as opiniões, respeito as profissões e entendo que a concorrência é um agente fundamental para o desenvolvimento de uma área, para a evolução do conhecimento e para saltos científicos que possam ser positivos para todos.
A propósito, porque será que não aproveitamos esse crescimento horizontal e, ainda que com formações diferentes, começamos a trabalhar juntos? Afinal, o objetivo não é o mesmo, a satisfação dos pacientes? Em uma época em que o respeito e a tolerância são uma bandeira global, entendo que esse seria o caminho ideal.