A queda de cabelo, muitas vezes, é vista apenas como um problema estético ou dermatológico. No entanto, estudos recentes reforçam o que a prática clínica integrativa já nos mostra há tempos: as emoções, o sofrimento psíquico e a qualidade das experiências subjetivas influenciam, e muito, a fisiologia do couro cabeludo e a evolução das alopecias.
Uma revisão sistemática publicada em 2023 no Journal of Clinical Medicine analisou os efeitos de intervenções psicológicas em pacientes com alopecia areata e alopecias cicatriciais. Foram incluídos nove estudos que utilizaram abordagens como mindfulness, hipnose, psicoterapia e estratégias de enfrentamento ativo. Os resultados, embora heterogêneos, apontam para um ponto em comum: o impacto da mente sobre o corpo é real, mensurável e clínico.
Mindfulness e a percepção do sofrimento
Terapias baseadas em atenção plena, como o Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT), mostraram melhora significativa na ansiedade, na relação com os sintomas e na qualidade de vida, mesmo em pacientes que não apresentaram regeneração capilar objetiva. Isso reforça a ideia de que o cuidado com a mente não é apenas coadjuvante: ele modula a forma como o paciente vive sua condição — e essa vivência impacta diretamente o sistema imune, endócrino e autonômico.
A hipnose como terapia de regeneração
Entre os estudos revisados, destaca-se o uso da hipnose como estímulo ao crescimento capilar. Pacientes com alopecia areata refratária, que não respondiam a outros tratamentos, apresentaram crescimento significativo dos fios após sessões de hipnose guiada, onde visualizavam a vascularização do couro cabeludo e a regeneração dos folículos.
Essa técnica não atua apenas na imaginação: ela reorganiza vias neuronais, reduz os níveis de cortisol e modula o sistema imune — inclusive com alterações em marcadores como a relação CD4/CD8 e níveis de beta-endorfinas.
Em outras palavras: o que o paciente visualiza com intenção, o corpo pode responder com biologia.
Emoções e imunidade: a ponte invisível
Muitos pacientes relatam: “meu cabelo começou a cair depois de um trauma”, “foi depois daquela separação”, “foi quando perdi meu emprego”. Esses relatos não são coincidência. O artigo reforça que o sofrimento psíquico intenso ativa o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), aumentando o cortisol e desencadeando desequilíbrios imunológicos que favorecem a inflamação perifolicular — e, portanto, a queda.
Mas o oposto também é verdadeiro: intervenções psicológicas bem conduzidas reduzem a atividade inflamatória e podem restaurar o equilíbrio imunológico do couro cabeludo.
Terapia é cuidado capilar?
Essa é a pergunta que devemos nos fazer como profissionais da saúde. Se a mente influencia o folículo — direta ou indiretamente —, então a saúde emocional deve ser considerada parte do plano terapêutico. Não como um “recurso extra”, mas como um eixo central de sustentação clínica.
Na prática, isso pode incluir:
- Encaminhamento para psicoterapia especializada;
- Técnicas integrativas como mindfulness, meditação e hipnose;
- Abordagem acolhedora durante a consulta, onde o paciente se sinta ouvido e validado;
- Estratégias de enfrentamento ativo, que ajudam o paciente a ressignificar sua condição sem se paralisar diante dela.
Conclusão
O cabelo não nasce apenas do couro cabeludo. Ele nasce da vida emocional, do sistema nervoso, da memória afetiva e do modo como o indivíduo interpreta sua história. Cuidar do cabelo é, também, cuidar da alma.
A ciência está nos mostrando o que a sensibilidade clínica já percebia: o folículo piloso é um dos sensores mais honestos do estado emocional humano. E, por isso mesmo, merece ser tratado com um olhar que ultrapasse o sintoma — e alcance o ser.
Referências:
Maloh J, Engel T, Natarelli N, Nong Y, Zufall A, Sivamani RK. Systematic review of psychological interventions for quality of life, mental health, and hair growth in alopecia areata and scarring alopecia. J Clin Med. 2023;12(3):964. doi:10.3390/jcm12030964
