Muitas vezes, ao falarmos sobre queda de cabelo, focamos nos aspectos físicos e biológicos: fatores hormonais, deficiências nutricionais, genética, etc. No entanto, é preciso ir além e considerar os aspectos emocionais e psicológicos que podem afetar profundamente a saúde capilar. Uma experiência que ilustra perfeitamente essa relação é a história de uma paciente que conheci, marcada por um diagnóstico equivocado e os efeitos duradouros desse trauma.
A paciente foi diagnosticada com alopecia androgenética por um médico, e essa notícia caiu como uma sentença. A ideia de estar “condenada” à calvície, em uma sociedade onde o cabelo é um símbolo de feminilidade e autoestima, a traumatizou profundamente. O diagnóstico tornou-se um estigma interno tão forte que, mesmo após consultar outros especialistas que discordaram do primeiro diagnóstico, ela não conseguia aceitar a realidade de que sofria, na verdade, de um eflúvio telógeno crônico.
Este tipo de reação não é raro. Receber um diagnóstico que impacta a autoimagem e a identidade pode ser uma experiência traumática. A partir desse momento, a paciente entrou em um ciclo de estresse, medo e insegurança, todos fatores que, conforme apontado pelo psiquiatra Bessel van der Kolk em seu livro O Corpo Guarda as Marcas, podem desencadear uma série de respostas físicas e químicas no corpo, incluindo a queda de cabelo.
Bessel van der Kolk descreve como o trauma pode “congelar” o corpo em um estado constante de alerta. Ele explica que, diante de um evento traumático, o cérebro reage ativando o sistema nervoso autônomo, levando à liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. No caso da paciente, o diagnóstico inicial de alopecia androgenética desencadeou um estado de alerta contínuo, gerando um impacto negativo no ciclo de crescimento dos cabelos.
O estresse crônico induzido pelo trauma do diagnóstico pode provocar o chamado eflúvio telógeno, um tipo de queda difusa que ocorre quando um número significativo de folículos entra na fase de repouso (telógena) e acaba caindo. Para a paciente, a ansiedade e a angústia relacionadas à ideia de perder o cabelo geraram uma reação física – a persistência da queda capilar – que, por sua vez, reforçava o ciclo de medo e estresse.
Um aspecto crucial da obra de van der Kolk é a forma como ele explica que o trauma pode se cristalizar na mente. No caso da paciente, o diagnóstico inicial tornou-se uma crença tão enraizada que ela passou anos buscando médicos que confirmassem essa visão. A cada consulta, em vez de encontrar alívio, sua mente se fixava na ideia de que estava “condenada”, criando um ciclo de sofrimento contínuo. Segundo van der Kolk, isso acontece porque o trauma altera a maneira como o cérebro processa as experiências, criando uma espécie de loop onde o corpo continua reagindo como se o perigo estivesse presente, mesmo quando a ameaça já não existe mais.
Essa cristalização também leva à dificuldade de aceitar novas informações que poderiam ajudar a resolver o problema. No caso da paciente, isso significou rejeitar todos os diagnósticos posteriores de eflúvio telógeno e se prender ao diagnóstico de alopecia androgenética. Essa atitude reflete o que van der Kolk chama de “armadilha do trauma”, onde a pessoa se vê incapaz de avançar e encontra-se presa em uma narrativa de sofrimento.
A conexão entre o trauma e a saúde capilar é complexa e multifacetada. Quando falamos em queda de cabelo, estamos lidando com uma manifestação física que pode ter raízes profundas no bem-estar emocional. O cabelo é uma extensão da identidade, da autoestima e da percepção de si. Quando um evento traumático, como um diagnóstico devastador, entra em cena, ele pode desencadear uma resposta fisiológica que se manifesta nos fios. E é aí que surge a necessidade de uma abordagem terapêutica que vá além do tratamento físico.
O caso desta paciente mostra como o trauma emocional pode impactar diretamente a saúde capilar, transformando um problema inicialmente físico em uma condição crônica alimentada pelo estresse e pela fixação em uma crença. Ao tratar o eflúvio telógeno, é crucial abordar não apenas os aspectos biológicos, como o ciclo capilar, a nutrição e a saúde do couro cabeludo, mas também os elementos emocionais e psicológicos envolvidos.
Como profissional de tricologia, meu papel é olhar para o paciente de maneira integrativa, reconhecendo que a saúde dos cabelos reflete uma combinação de fatores físicos, mentais e emocionais. É importante atuar como um guia, não apenas oferecendo tratamentos capilares, mas também ajudando o paciente a compreender a influência que o estresse, a ansiedade e o trauma podem ter em sua saúde capilar. A abordagem não pode ser puramente estética; deve ser compassiva, escutando a história do paciente e, quando necessário, integrando profissionais como psicólogos para ajudar a trabalhar o impacto emocional que a queda de cabelo pode gerar.
A história dessa paciente é um exemplo claro de como o trauma pode afetar a saúde capilar de maneira profunda e persistente. A crença enraizada de estar “condenada” à calvície não só desencadeou um eflúvio telógeno crônico, mas também bloqueou a abertura a novas abordagens e possibilidades de tratamento. Isso nos mostra que a verdadeira recuperação capilar envolve muito mais do que tratar os fios em si; é preciso também abordar a saúde emocional e mental.
Como o psiquiatra Bessel van der Kolk destaca, o corpo guarda as marcas do trauma, e a saúde capilar não é uma exceção. Um diagnóstico errado pode deixar cicatrizes que vão além do físico, afetando a forma como o paciente enxerga a si mesmo e lida com seu problema. O caminho para a recuperação, portanto, passa pela integração do cuidado físico e emocional, permitindo que o paciente se liberte do trauma e encontre um estado de equilíbrio que reflita não só nos fios, mas em toda a sua vida.