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O risco da ciência só olhar para aquilo que a “interessa”

Pouca gente sabe, mas passei parte da minha infância em um sítio no interior de Minas Gerais. Lá, eu corria pelo pomar, ia buscar ovos no galinheiro, empinava pipa no pasto entre bois, vacas e bezerros, acordava cedo para tomar leite no curral, ia buscar verduras e legumes na horta a pedido de minha mãe. De certa forma isso ficou impregnado na minha história, me fazendo olhar de forma simpática para o que a Natureza nos proporciona e oferece.

Penso eu que, talvez, a Natureza seja a maior e melhor cientista que conhecemos. Há milênios ela faz suas experimentações e nos aponta determinados caminhos a seguir. Um animal que morria, após comer algo venenoso, ensinava a nossos ancestrais o que não se devia comer. O toque de uma planta em nossa pele mostrava que algumas delas podiam nos causar irritações, enquanto outras acalmavam quadros inflamatórios. O perfume exalado por certas plantas, tinham poder calmante, e que mastigar outras poderia nos levar a estados de consciência ampliados, que para os antigos, eram uma forma de se conectar com as divindades.

A molécula do ácido acetil-salicílico, ativo da famosa Aspirina – o primeiro medicamento a ser comercializado em comprimidos no Brasil no começo do século passado –  veio do salgueiro, a Salix alba, como cientificamente é conhecida. E, certamente, assim o foi, porque desde os egípcios e gregos, era uma tradição o uso do extrato ou do chá de folhas do salgueiro no controle da dor e da inflamação. E este é um exemplo de tantas outras ativos cosméticos e medicamentos que temos hoje à nossa disposição, que são naturais ou foram inspirados pela Natureza.

A medicina ocidental evoluiu. A cada dia sabemos mais sobre as doenças e, apoiados nisso, a indústria farmacêutica pôde desenvolver inúmeros medicamentos. Os ativos naturais foram sendo deixados de lado e drogas desenvolvidas em laboratório passaram a ganhar destaque. E a competição entre indústrias farmacêuticas favoreceu este desenvolvimento. Cada uma delas trabalhando intensamente para colocar à disposição novos ativos que pudessem atender às demandas de mercado que o melhor entendimento da fisiopatologia nos traz.

A competitividade, o marketing, o pioneirismo de alguns mecanismos de ação de medicamentos e os interesses comerciais das indústrias farmacêuticas pesaram a mão na medicina, investindo forte em centros de pesquisas, de educação e prática médica, e, com isso, passaram a facilitar o crescente número de publicações que, independentemente da eficácia de seus ativos, qualificava a publicidade de suas novas drogas. E quanto mais publicação mais “robusto” – usando um termo que virou moda na medicina – é o argumento de uso do fármaco. Quanto mais robusta a evidência, maior a prescrição.

Ao mesmo tempo, o investimento em pesquisas de ativos naturais é quase que inexistente. Depende muito mais da boa vontade de pesquisadores que, sem o suporte financeiro das farmacêuticas, insistem em participar do desenvolvimento científico para verificar os riscos e benefícios dos ativos em que acreditam. Conseguem constatar resultados muito interessantes, mas esbarram nos tamanhos de suas amostras, e no baixo número de publicações que reforcem o papel destes ativos na prática clínica. Natural, sem investimento, fica muito difícil pesquisar e publicar. Fora que ativos naturais não geram patentes, não inovam, não geram lucratividade em grandes proporções.

E, por conta disso, a grande massa dos profissionais que se diz amparada pela ciência, acaba ficando focada no que os estudos focam mais nas drogas das industrias farmacêuticas, deixando de lado a possibilidade de compreender e valorizar outras opções terapêuticas menos estudadas por falta de investimento. Uma briga de Davi contra Golias, carregada de viés. A ciência acaba não se pautando, exclusivamente, pela busca pela verdade, mas pelo lucro que a verdade que ela mesma cria proporciona. Algo como: fortaleço o que me dá lucro, e viro às costas para o que também pode ser efetivo, mas não me garante grandes somas de dinheiro.

Um exemplo disso, é a corrida pelo mercado de derivados da cannabis. De proibida, ilícita, renegada, a planta está se mostrando eficiente em combater diversos mecanismos de formação das doenças. Temos, então, algo novo neste olhar para planta. O lucro que ela proporciona não fica apenas limitado ao tráfico, mas passa para as mãos de quem consegue explorar o uso da cannabis na forma de medicamento. Ela agora é legal, e prescrita pelos médicos. Este cenário não poderia ser melhor, correto? Porém, não podemos nos esquecer que os conhecimentos sobre a cannabis datam de milênios, e, até então, nunca haviam sido explorados pela medicina ocidental de forma adequada. Por que estão sendo agora? Sem descartar o fato de que se trata de uma opção eficiente para cuidados com diversos problemas de saúde, além de ser relativamente segura quando bem indicada, os interesses comerciais são grandes. E o mais interessante, agora cavalgam junto com o conhecimento ancestral sobre a cannabis, e são explorados como claim por quem comercializa.

E, pensando nisso, quantas outras plantas, sendo devidamente estudadas, com investimentos semelhantes aos dos medicamentos que povoam os grandes periódicos científicos, não poderiam estar beneficiando mais e mais pacientes. Pensando no caso da tricologia, o café verde, o chá verde, o ginseng, a curcuma, os moduladores de estresse como a rodhiola e a ashwagandha, entre tantos outros. Há estudos, ainda que poucos. Há mecanismos diversos para tratar os cabelos, mas parecem não chamar a atenção de grandes centros de pesquisa, ou de quem investe em pesquisa. Tenho certeza que, se melhor estudados, tais plantas, assim como a cannabis, nos surpreenderiam.

Ficam aqui algumas perguntas para reflexão. A ciência, de verdade, deveria fechar os olhos para todas as possibilidades de ajuda para os pacientes? Ela deveria eleger seus preferidos em troca de grandes somas de dinheiro? Ou o mundo é assim mesmo e temos que aceitar? Será que se tais produtos naturais tivessem o mesmo investimento das drogas da indústria, seguiríamos prescrevendo medicamentos como prescrevemos nos dias atuais?

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