E por que algumas, de fato, estão?
O artigo “Why Are So Many Young Women Convinced They’re Balding?”, de Laura Pitcher, nos oferece um retrato sensível e inquietante de um fenômeno que se alastra silenciosamente: a crescente ansiedade capilar entre mulheres jovens. O medo de estar ficando careca, mesmo diante de cabelos clinicamente saudáveis, revela-se como um sintoma do mal-estar contemporâneo. Trata-se de uma forma difusa de angústia que encontra no corpo — e, de maneira particular, no cabelo — um ponto de expressão. A obsessão por fios densos, longos e “perfeitos” passa a representar, nesse contexto, uma tentativa de exercer controle em um mundo cada vez mais instável e imprevisível.
Pitcher também evidencia com clareza o papel insidioso dos algoritmos das redes sociais na construção dessa paranoia coletiva. A curadoria digital personalizada, ao identificar qualquer interesse ou busca relacionada a cabelo, devolve ao usuário uma avalanche de conteúdos sobre queda capilar, tratamentos e produtos “milagrosos”. O que é raro ou patológico passa a parecer regra. O algoritmo reforça pequenas dúvidas até transformá-las em certezas, alimentando uma falsa epidemia de calvície e promovendo uma “hiperconsciência” do couro cabeludo. Esse processo é agravado por uma estética digital que eleva o padrão de cabelo saudável a níveis irreais — com imagens cuidadosamente editadas, perucas invisíveis e extensões disfarçadas como naturais. O resultado é um sentimento constante de inadequação.
Outro ponto fundamental trazido pelo artigo é o da popularização do discurso médico sem a mediação da ciência. O acesso à informação tornou-se amplamente democrático, mas esse acesso, desprovido de orientação crítica, gera paradoxos perigosos. Em vez de procurar profissionais qualificados — como dermatologistas ou tricologistas — muitas jovens recorrem a influenciadores e vídeos virais, atribuindo autoridade a quem tem visibilidade, não conhecimento. A desinstitucionalização do saber transforma visualizações em validação, likes em diagnósticos. A consequência é uma medicalização excessiva da vida cotidiana: pessoas saudáveis passam a interpretar variações naturais do próprio corpo como patologia, e o que era uma experiência fisiológica normal torna-se motivo de sofrimento psíquico.
Pitcher acerta ainda ao relacionar as causas reais da queda de cabelo a estilos de vida que, paradoxalmente, são incentivados por essa mesma cultura de aparência. A matéria mostra como fatores como estresse crônico, sequelas da COVID-19, dietas restritivas, déficit nutricional, excesso de exercício físico e uso de medicamentos como o Ozempic têm impactado negativamente o ciclo capilar. Vivemos um paradoxo cruel: mulheres são pressionadas a manter corpos extremamente magros e, ao mesmo tempo, exibir cabelos fartos, brilhosos e volumosos — um ideal estético biologicamente incompatível em muitos casos. Esse conflito constante não apenas afeta a saúde capilar, mas contribui para desequilíbrios hormonais e sofrimento emocional.
A matéria, por fim, propõe uma saída sensata, embora ainda pouco comum: o retorno à escuta clínica, ao acompanhamento individualizado e ao olhar integrativo. Mais do que um diagnóstico dermatológico, é preciso compreender a história daquela mulher, seus hábitos, sua relação com o corpo, sua autoimagem e os efeitos que o ambiente digital exerce sobre ela. A ansiedade capilar não é apenas uma questão de bulbo e fio, mas um reflexo de uma cultura que comercializa medo, dependência e soluções instantâneas. O papel do profissional ético de saúde capilar é, portanto, o de acolher, escutar com atenção, orientar com responsabilidade e ajudar a reconstruir a percepção de normalidade — distinguindo o que é parte do ciclo da vida do que é, de fato, patológico.
Em síntese, o texto de Laura Pitcher é valioso não apenas como reportagem, mas como reflexão sobre os cruzamentos entre saúde, estética, mídia digital e sofrimento emocional. Ele nos mostra que o medo de perder os cabelos é, muitas vezes, menos sobre o cabelo e mais sobre identidade, autoestima, pertencimento e a urgência de se sentir no controle. É uma discussão que precisa ser acolhida com empatia, mas também com distanciamento crítico, para que o cuidado com os cabelos não se torne mais uma armadilha lucrativa do mercado da ansiedade.