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NEUROSE E QUEDA CAPILAR – UMA ASSOCIAÇÃO CADA VEZ MAIS FREQUENTE

Recentemente, pouco antes do Carnaval, me presenteei com a coletânea de Cartas escritas pelo médico e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung. São três volumes onde as correspondências escritas por Jung foram compiladas e publicadas em ordem cronológica. Neste momento sigo lendo o primeiro volume*. As cartas têm conteúdos variados que passam por assuntos corriqueiros, estudos, viagens, agradecimentos por livros e presentes que Jung recebia e, de uma forma muito mais simples do que nos livros de suas Obras Completas (publicada no Brasil pela Editora Vozes), pinceladas sobre suas interpretações diante de conteúdos teóricos ligados à pisque. 
Em uma carta escrita em 19 de Novembro de 1932, a um destinatário desconhecido, encontrei algumas observações de Jung sobre a neurose. Nela, Jung diz que, diante de um quadro de neurose a pessoa é subtraída de suas próprias tarefas individuais da vida real e transferida para uma realidade inferior, onde apenas se fazem reivindicações e já não se visa realizar coisa nenhuma… é inclusive prejudicial na medida em que afasta a pessoa… de seu próprio mundo real… Ele só se entretêm com sua neurose e não sabe como proceder consigo mesmo.
Tenho visto muitas pacientes (a proporção em relação aos homens é muto elevada, por isso uso o feminino aqui), que ao se deparar com um quadro de queda capilar passam a viver de forma intensa este problema. A intensidade é tamanha que a queda de cabelo acaba por tomar conta da vida dessas pessoas tornando-se um tormento maior do que qualquer outra questão de nosso cotidiano. 
Cada cabelo perdido ganha a dimensão de uma tragédia e, de alguma maneira, este problema poderá se desdobrar em outras tragédias. Já vi filhos deixarem de ser cuidados de maneira adequada por causa dos cabelos. Já vi casamentos terminarem por causa de cabelos. Já vi pessoas serem demitidas por conta de cabelos. Já me deparei com casos de depressão severa por conta dos cabelos. 
Como já escrevi antes aqui, casos assim encarceram a forma de pensar das pacientes. Elas desenvolvem um quadro que acompanha um conjunto de ações que se repetem à revelia, sem ordem, sem padrão. Na maioria das vezes pautada no desespero e na falta de controle que a queda capilar traz consigo. Contagem de cabelos que caem, estagnação diante da vida e fantasias de tragédia eminente (ex. ficar careca), olhar constante para o couro cabeludo, pesquisas incessantes na internet em busca de soluções, falta de persistência para esperar o resultado de um tratamento, evitar qualquer tipo de ação que possam aumentar a visualização de perda capilar (ex. redução da frequência de lavagem e do pentear), busca contínua por motivos que possam causar a queda capilar (ex. mudança frequente de profissionais, realização de exames seriados, experimentações de mudanças de hábitos ou de uso de produtos), choro frequente, sensação de impotência diante da queda capilar e perda de interesse em relação a temas importantes da vida como trabalho, filhos e família. 
Casos assim merecem uma atenção que vai além dos cuidados médicos e tricológicos para a queda capilar. Pedem uma atenção para o estado psíquico das pacientes. A orientação e encaminhamento para a análise terapêutica com psicólogo é fundamental e imprescindível para a melhora do quadro, mesmo quando há negação da paciente pela procura por esta ajuda, algo que é muito frequente. Quando necessário, até mesmo o uso de medicações para controle de ansiedade ou estados depressivos precisam ser aventados. 
Vale lembrar aqui  que Jung via as manifestações neuróticas também como uma forma atingir um melhor desenvolvimento da psique. Jung diz que a neurose traz o inconsciente para mais perto da superfície (ou seja, conteúdos inconscientes ficam mais conscientes) e quem sabe, como consta na mesma carta citada no início deste texto sobre a capacidade de fantasiar do neurótico, a capacidade de fantasiar teria algum sentido se estivesse em condições de mudar aquilo que conseguiu mediante contato com o inconsciente, ou seja, transformar em alguma coisa capaz de impressionar e mudar pessoas; mas para isso há necessidade de uma constante atividade criativa na pessoa. A terapia oferece ao paciente esta possibilidade. A de compreender a natureza de seu problema e, na medida dessa compreensão encontrar um caminho que a liberte. 
Pacientes com quadros como esse que são tratados em paralelo com a terapia costumam ter uma evolução de seus problemas capilares mais rápida, melhor e transformadora. 
*C. G. Jung – Cartas Volume I – 1906-1945 – Editora Vozes
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