
Durante muito tempo, achamos que o envelhecimento dos cabelos era uma sentença genética inquestionável. Mas a ciência tem mostrado que o caminho até o surgimento dos fios brancos pode ser muito mais influenciado pelo ambiente, pelo estresse e — acredite — até por substâncias que circulam entre o intestino e o cérebro.
Um novo estudo realizado na Universidade de Miami, liderado por Tatiana Gomez Gomez sob a supervisão do renomado Dr. Ralf Paus, traz um desses achados surpreendentes: o VIP — peptídeo intestinal vasoativo, uma molécula produzida no sistema nervoso e no intestino, pode interferir diretamente na produção de pigmento no cabelo humano.
Como o cérebro e o intestino se conectam com os cabelos?
O couro cabeludo não é só uma “base” para o nascimento dos fios. Cada folículo piloso é um mini-órgão complexo, com suas próprias células imunológicas, nervos, vasos e até um sistema neuroendócrino próprio. Isso significa que ele responde a sinais do corpo inteiro — do intestino ao cérebro.
O VIP, uma molécula conhecida por regular o fluxo sanguíneo e atuar no sistema imune, também se liga a receptores específicos encontrados nos folículos capilares humanos. E é aí que as coisas começam a ficar interessantes.
O que o estudo investigou?
Os pesquisadores coletaram folículos capilares de pacientes do sexo masculino submetidos a cirurgias estéticas (como lifting facial ou transplante capilar). Esses folículos foram cultivados em laboratório e tratados com o VIP em duas concentrações diferentes (100nM e 1μM), sendo comparados a um grupo controle.
O objetivo era avaliar se o VIP poderia modular a produção de melanina (o pigmento que dá cor ao cabelo) no chamado Unidade Pigmentar do Folículo Piloso (HFPU).
Resultado inesperado: menos pigmento, não mais
Curiosamente, ao contrário do que se esperava (com base em dados preliminares com doadoras mulheres), o VIP reduziu a produção de melanina nos folículos masculinos. E mais: diminuiu a atividade de uma enzima chave para o processo de pigmentação, a tirosinase, sem aumentar a morte das células responsáveis pela cor dos fios (os melanócitos).
Apesar disso, o estudo encontrou um aumento na expressão de uma outra enzima chamada tirosina hidroxilase, que pode estar ligada à produção de substâncias como dopamina e noradrenalina — associadas, em outros estudos, ao embranquecimento precoce dos cabelos sob estresse.
O que isso significa na prática?
Pode significar que o VIP atua como um freio natural na pigmentação capilar, talvez como um mecanismo protetor. Afinal, em doenças autoimunes como a alopecia areata, os cabelos brancos frequentemente são poupados — o que sugere que a presença de pigmento pode tornar o folículo mais visível ao sistema imune.
Ao modular a quantidade de pigmento, o VIP poderia ajudar a manter o que os cientistas chamam de “privilégio imunológico” do folículo — uma espécie de zona protegida contra ataques inflamatórios. Isso abriria caminhos não apenas para entender o embranquecimento dos fios, mas também para investigar novas estratégias no tratamento da queda capilar autoimune.
O quebra-cabeça da pigmentação ainda não está completo
O estudo também descobriu que o VIP não provoca senescência (envelhecimento) nas células pigmentares nem induz apoptose (morte celular). Em vez disso, ele parece reduzir a pigmentação por mecanismos regulatórios, alterando enzimas específicas e a comunicação entre receptores celulares.
Outro achado curioso é que os receptores VPAC2, responsáveis por mediar os efeitos do VIP, aumentam sua expressão genética após o tratamento, mas não apresentaram aumento em proteína detectável, o que sugere uma possível regulação negativa pós-transcricional ou rápida degradação — e levanta mais perguntas do que respostas.
Implicações futuras
Este estudo levanta possibilidades importantes:
- Terapias que modulam o VIP ou seus receptores podem, futuramente, ser desenvolvidas para retardar ou reverter o embranquecimento precoce dos cabelos;
- A regulação da pigmentação pode ser utilizada como uma estratégia imunológica de proteção dos folículos em doenças inflamatórias como a alopecia areata;
- Estudos futuros devem explorar as diferenças de resposta entre homens e mulheres, já que os primeiros resultados com folículos femininos indicavam uma tendência oposta (aumento da pigmentação);
- O papel do estresse e das catecolaminas na pigmentação precisa ser aprofundado, especialmente no contexto do VIP.
Conclusão
O cabelo não é apenas estética — ele é um espelho fiel das funções do corpo. Neste estudo, o VIP, um peptídeo que antes era conhecido apenas por suas funções digestivas e neurológicas, se mostra como uma peça-chave na regulação da cor dos cabelos.
Em outras palavras: aquilo que se passa no intestino ou no sistema nervoso pode, sim, estar por trás do surgimento dos seus fios brancos.
O futuro da tricologia está cada vez mais interdisciplinar — unindo neurociência, endocrinologia, imunologia e, claro, um olhar atento aos detalhes do folículo piloso. E talvez, em breve, possamos interferir nesse processo de forma consciente, saudável e personalizada.